domingo, 18 de setembro de 2011

ES: REDE CONTRA O CRACK - "Não tenho vergonha de mostrar a cara". Rosangela Candido, 36, lutou e recuperou a dignidade


foto: Gabriel Lordêllo
 Rosangela Candido
"Já vendi tudo e passei fome. Deixei minhas filhas só com a roupa do corpo, levei o que era delas. Gastava tudo em pedras"

















Anny Giacomin - agiacomin@redegazeta.com.br  
A rua representa o inferno e o céu para Rosangela Candido Nascimento, 36 anos. Foi lá que ela usou pela primeira vez o crack, se prostituiu e viveu os piores momentos de sua vida, em duas semanas intermináveis. Como ela mesma diz, foi onde perdeu a dignidade. Ao mesmo tempo, hoje, é onde consegue se redimir, tentando evitar que mais pessoas trilhem um caminho difícil de abandonar.

Longe do vício há um ano e meio, Rosangela é a prova de que mesmo uma história marcada por abandono e escolhas erradas pode mudar de rumo. Mesmo que, para isso, seja preciso, a cada dia, passar por um teste de superação e força de vontade.

Feliz, ela ressalta que não tem motivos para esconder a trajetória. "Não tenho vergonha do que eu sou. Tenho do que eu fiz para conseguir droga. Dizem que não tem jeito, mas tem sim. Eu estou aqui para provar isso. Em momento nenhum escondi meu rosto para comprar drogas. Por que me esconderia agora?", diz.


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O início
Aos 13 anos, Rosângela começou a beber, com aprovação da própria família. Aos 16, engravidou, e foi apresentada, pelo namorado, às drogas.

O uso foi ficando cada dia mais frequente e, por vezes, já grávida da segunda filha e separada do primeiro marido, Rosangela tentava largar o vício, sem sucesso. Um namorado a apresentou ao crack. "Usei e me apaixonei", conta.

A partir daí, a vida entrou em total descontrole. Perdeu o emprego e a rescisão de sete anos virou, literalmente, fumaça: "Gastei tudo em crack. Teve um dia que cheguei a comprar R$ 2 mil em pedras, e fumei tudo, com colegas".

Enquanto isso, as filhas cresciam sob supervisão da avó. "Eu ficava em casa, só fumando", diz.

"Tive que ir morar na rua, porque estava devendo a um traficante. Ameaçaram minha família e quase morri por R$ 400"

"Não tenho motivos pra me esconder. Não me esqueço do passado para não repetir os erros. Hoje tenho orgulho de mim"


Dívida
A situação piorou ainda mais quando Rosangela deixou de pagar uma dívida de R$ 400 com um traficante. A família dela foi ameaçada de morte e ela teve de sair de casa para evitar o pior. Dias antes, o namorado havia sumido do mapa e levado consigo tudo o que ela havia comprado em anos de serviço.

Durante duas semanas, sua moradia foram as ruas da Praia do Canto. E foi lá que ela diz ter vivido os piores dias de sua vida. "Não tem lei na rua, tem que fazer o que estiver ao alcance e aceitar".

Chegou a trocar sexo por pedras de crack, para sustentar o vício. "Era desesperador. Ninguém dormia, havia muita maldade. Se não for conivente, viram-se todos contra você".

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Desilusão
Decidida a mudar de vida, Rosangela arrumou outro emprego, já em tratamento. Mas a decepção veio junto. "Quando comentei que tinha sido usuária de crack, me deram um atestado e reincidiram meu contrato".

A recaída foi intensa. Tudo o que ela tinha comprado, vendeu. "Minhas filhas falavam que preferiam que eu morresse do que me ver desse jeito. Deixei-as só com as roupas do corpo e me chamaram de ladra", lembra.

Nesse período chegou a passar fome. "Mas foi porque quis, gastava tudo em pedra". As filhas foram novamente morar com a avó. Até ela conhecer, nas ruas, o atual companheiro.

Juntos, tiveram recaídas, mas também se apoiam. Ele continua frequentando o Centro de Prevenção e Tratamento ao Toxicômano (CPTT) e há dois meses está limpo. Já Rosangela encontrou na recuperação de jovens e adultos em situação de risco social a forma de se redimir com a família e a sociedade. "É gratificante poder ajudar quem precisa. Dou um voto de confiança, porque eu precisei disso também".

Hoje, as duas filhas, com 17 e 19 anos, não saem do lado da mãe e dão todo o apoio para ela se manter sóbria. "A luta diária vai ser eterna. O importante é não desistir e acreditar que há saída. Quero construir uma vida nova e ensinar a elas o caminho certo. Se não ensinar em casa, o mundo ensina da pior maneira possível. Por isso também vou às ruas passar o que eu vivi às pessoas", diz Rosângela.

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