quarta-feira, 28 de setembro de 2011

ES: AS MASMORRAS JUVENIS DE HARTUNG. Em reunião sigilosa, dossiê de violações é entregue à ONU e o Estado se defende

José Rabelo - www.seculodiario.com.br

A reunião ocorreu nessa terça-feira (27) e tratou das denúncias de maus tratos e torturas no sistema de privação de liberdade capixaba – unidades destinadas para adultos e adolescentes.

A reunião, fechada, foi tão sigilosa quanto à agenda do Subcomitê, que não quis revelar quais serão as unidades visitadas e nem tampouco a data ou horários em que acontecerão as vistorias. O SPT-ONU, que chegou ao Brasil no último dia 19, já visitou unidades prisionais de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, mas é o estado capixaba que gera maior preocupação aos comissários, uma vez que o Espírito Santo permanece sob medidas protetivas impostas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em decorrência de violações registradas em 2009 na Unidade de Internação Socioeducativa (Unis), em Cariacica.

Os comissários alegaram que não revelam a agenda nem mesmo ao governo federal para evitar que a informação vaze e o Estado visitado tente “maquiar” as unidades. Porém, em vista aos últimos acontecimentos, é quase certo que o Subcomitê visite as unidades de adolescentes de Linhares e do Xuri, em Vila Velha – onde ocorreram nove tentativas e dois suicídios nos últimos dois meses.

Os oito membros da ONU receberam das mãos do presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Gilmar Ferreira, um relatório “Sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes no Espírito Santo”. Em 21 páginas, o CEDH faz um retrospecto das violações que ocorreram no Espírito Santo de 2006 para cá. Acompanham o relatório mais de duas mil páginas de documentos que comprovam as denúncias apresentadas.

O secretário de Justiça, Ângelo Roncalli, e a diretora-presidente do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado (Iases), Silva Gallina, que participaram da reunião, tentaram, como sempre, enaltecer os investimentos do governo na construção de novas unidades prisionais. Destacaram também a desativação das Unis – unidade que gerou a aplicação das medidas punitivas ao Estado brasileiro pela Corte da OEA. O discurso governamental era no sentido de tentar convencer os representantes da ONU que as violações já foram superadas e que agora o sistema prisional capixaba vive uma nova fase.

O relatório do Conselho, no entanto, mostra que a situação não é tão boa como pinta Roncalli. Obedecendo a uma linha temporal, o relatório recorda os casos de esquartejamento ocorridos na extinta Casa de Custódia de Viana (Cascuv), em Cariacica; o confinamento de homens, mulheres e adolescentes em contêineres e no cruel “micro-ondas” – um micro-ônibus, mas parecido com um carro forte, que servia de cela na Delegacia de Crimes Contra o Patrimônio de Vitória. Na seção de horrores, aparece ainda a superlotação da carceragem do DPJ de Vila Velha, que tinha capacidade para 36 presos, mas que chegou a “empilhar” mais de 300 pessoas.

O relatório também informa que o Conselho, juntamente com outras entidades de direitos humanos, relatava as violações às autoridades estaduais – governo, Assembleia, Ministério Público e Tribunal de Justiça -, mas as denuncias não tinham ressonância. Pior, o documento lembra que o atual secretário de Justiça, Ângelo Roncalli, por determinação do então governador Paulo Hartung – que ficou conhecido como o governador das masmorras –, editou uma portaria proibindo a entrada de defensores nas unidades prisionais. O CEDH impetrou um mandado de segurança para ter acesso às unidades, mas a Justiça capixaba, como não poderia ser diferente, acatou a contestação do Estado e manteve a proibição.

Depois de mostrar os podres do governo Hartung no campo da violação de direitos humanos, o relatório reconhece que o sistema prisional, pelo menos fisicamente, melhorou. As prisões, que mais se assemelhavam a calabouços medievais, de fato, ganharam ares modernos com a construção dos novos modelos de prisões moduladas, copiados dos Estados Unidos.

Apesar da evolução física, o CEDH adverte no relatório entregue ao Subcomitê que as violações persistem no sistema de privação de liberdade do Estado. O documento traz ocorrências recentes, como a morte de uma interna, após uma rebelião na Penitenciária Feminina de Tucum; as (duas) mortes e as tentativas de suicídios (9) de adolescentes internados nas unidades de Xuri e Linhares; a superlotação das carceragens do interior; e a troca da violência física por psicológica por parte dos agentes penitenciários.

A violência psicológica é colocada como uma modalidade de agressão recorrente no “novo” sistema. Em todas as inspeções realizadas pelo CEDH, foram registradas queixas por parte dos internos referentes ao rigor da instauração dos tais “procedimentos”.

Segundo o relatório, “os procedimentos estariam sendo utilizados como instrumento de coação moral e ameaça por parte dos agentes penitenciários e da direção das unidades, vez que não era mais permitido ser utilizada a tortura física”.

De acordo com informações prestadas pelo Núcleo de Execuções Penais da Defensoria Pública, responsável por mais de 95% das defesas técnicas dos internos encarcerados nas unidades prisionais da Grande Vitória, somente no primeiro semestre deste ano foram instaurados 881 Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs).

O número desproporcional de PADs, deduz o relatório, é um indicador de que o procedimento vai sendo usado como instrumento de represália para “castigar” os presos, uma vez que o PAD pode interferir diretamente na progressão da pena e alongar a permanência do interno no sistema.

Novo governo, velhos problemas
Embora reconheça que das “masmorras de Hartung” para cá houve uma evolução, não só na parte física mas também na relação do poder público com as entidades de direitos humanos, o CEDH ressalta no relatório que o governador Renato Casagrande ainda não cumpriu a promessa de consolidar uma política estadual de direitos humanos no Estado. Os conselheiros reclamam que não receberam respaldo por parte do governo do Estado para implantar um programa de direitos humanos no Espírito Santo.

Eles lembram que, entre as principais reivindicações do CEDH – conversadas com Casagrande quando ele ainda era candidato ao governo –, figuravam a secretaria específica e o programa de prioridades do CEDH.

O CEDH se queixa ainda que o governo Casagrande chegou a criar um Grupo de Trabalho para tratar dessas demandas, mas que até agora as propostas não saíram do lugar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário