A reunião ocorreu nessa terça-feira (27) e tratou das
denúncias de maus tratos e torturas no sistema de privação de liberdade
capixaba – unidades destinadas para adultos e adolescentes.
A reunião, fechada, foi tão sigilosa quanto à agenda
do Subcomitê, que não quis revelar quais serão as unidades visitadas e
nem tampouco a data ou horários em que acontecerão as vistorias. O
SPT-ONU, que chegou ao Brasil no último dia 19, já visitou unidades
prisionais de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, mas é o estado
capixaba que gera maior preocupação aos comissários, uma vez que o
Espírito Santo permanece sob medidas protetivas impostas pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, em decorrência de violações
registradas em 2009 na Unidade de Internação Socioeducativa (Unis), em
Cariacica.
Os comissários alegaram que não revelam a agenda nem
mesmo ao governo federal para evitar que a informação vaze e o Estado
visitado tente “maquiar” as unidades. Porém, em vista aos últimos
acontecimentos, é quase certo que o Subcomitê visite as unidades de
adolescentes de Linhares e do Xuri, em Vila Velha – onde ocorreram nove
tentativas e dois suicídios nos últimos dois meses.
Os oito membros da ONU receberam das mãos do
presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Gilmar Ferreira, um
relatório “Sobre Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e
Degradantes no Espírito Santo”. Em 21 páginas, o CEDH faz um retrospecto
das violações que ocorreram no Espírito Santo de 2006 para cá.
Acompanham o relatório mais de duas mil páginas de documentos que
comprovam as denúncias apresentadas.
O secretário de Justiça, Ângelo Roncalli, e a
diretora-presidente do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Estado
(Iases), Silva Gallina, que participaram da reunião, tentaram, como
sempre, enaltecer os investimentos do governo na construção de novas
unidades prisionais. Destacaram também a desativação das Unis – unidade
que gerou a aplicação das medidas punitivas ao Estado brasileiro pela
Corte da OEA. O discurso governamental era no sentido de tentar
convencer os representantes da ONU que as violações já foram superadas e
que agora o sistema prisional capixaba vive uma nova fase.
O relatório do Conselho, no entanto, mostra que a
situação não é tão boa como pinta Roncalli. Obedecendo a uma linha
temporal, o relatório recorda os casos de esquartejamento ocorridos na
extinta Casa de Custódia de Viana (Cascuv), em Cariacica; o confinamento
de homens, mulheres e adolescentes em contêineres e no cruel
“micro-ondas” – um micro-ônibus, mas parecido com um carro forte, que
servia de cela na Delegacia de Crimes Contra o Patrimônio de Vitória. Na
seção de horrores, aparece ainda a superlotação da carceragem do DPJ de
Vila Velha, que tinha capacidade para 36 presos, mas que chegou a
“empilhar” mais de 300 pessoas.
O relatório também informa que o Conselho, juntamente
com outras entidades de direitos humanos, relatava as violações às
autoridades estaduais – governo, Assembleia, Ministério Público e
Tribunal de Justiça -, mas as denuncias não tinham ressonância. Pior, o
documento lembra que o atual secretário de Justiça, Ângelo Roncalli, por
determinação do então governador Paulo Hartung – que ficou conhecido
como o governador das masmorras –, editou uma portaria proibindo a
entrada de defensores nas unidades prisionais. O CEDH impetrou um
mandado de segurança para ter acesso às unidades, mas a Justiça
capixaba, como não poderia ser diferente, acatou a contestação do Estado
e manteve a proibição.
Depois de mostrar os podres do governo Hartung no
campo da violação de direitos humanos, o relatório reconhece que o
sistema prisional, pelo menos fisicamente, melhorou. As prisões, que
mais se assemelhavam a calabouços medievais, de fato, ganharam ares
modernos com a construção dos novos modelos de prisões moduladas,
copiados dos Estados Unidos.
Apesar da evolução física, o CEDH adverte no
relatório entregue ao Subcomitê que as violações persistem no sistema de
privação de liberdade do Estado. O documento traz ocorrências recentes,
como a morte de uma interna, após uma rebelião na Penitenciária
Feminina de Tucum; as (duas) mortes e as tentativas de suicídios (9) de
adolescentes internados nas unidades de Xuri e Linhares; a superlotação
das carceragens do interior; e a troca da violência física por
psicológica por parte dos agentes penitenciários.
A violência psicológica é colocada como uma
modalidade de agressão recorrente no “novo” sistema. Em todas as
inspeções realizadas pelo CEDH, foram registradas queixas por parte dos
internos referentes ao rigor da instauração dos tais “procedimentos”.
Segundo o relatório, “os procedimentos estariam sendo
utilizados como instrumento de coação moral e ameaça por parte dos
agentes penitenciários e da direção das unidades, vez que não era mais
permitido ser utilizada a tortura física”.
De acordo com informações prestadas pelo Núcleo de
Execuções Penais da Defensoria Pública, responsável por mais de 95% das
defesas técnicas dos internos encarcerados nas unidades prisionais da
Grande Vitória, somente no primeiro semestre deste ano foram instaurados
881 Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs).
O número desproporcional de PADs, deduz o relatório, é
um indicador de que o procedimento vai sendo usado como instrumento de
represália para “castigar” os presos, uma vez que o PAD pode interferir
diretamente na progressão da pena e alongar a permanência do interno no
sistema.
Novo governo, velhos problemas
Embora reconheça que das “masmorras de Hartung” para
cá houve uma evolução, não só na parte física mas também na relação do
poder público com as entidades de direitos humanos, o CEDH ressalta no
relatório que o governador Renato Casagrande ainda não cumpriu a
promessa de consolidar uma política estadual de direitos humanos no
Estado. Os conselheiros reclamam que não receberam respaldo por parte do
governo do Estado para implantar um programa de direitos humanos no
Espírito Santo.
Eles lembram que, entre as principais reivindicações
do CEDH – conversadas com Casagrande quando ele ainda era candidato ao
governo –, figuravam a secretaria específica e o programa de prioridades
do CEDH.
O CEDH se queixa ainda que o governo Casagrande
chegou a criar um Grupo de Trabalho para tratar dessas demandas, mas que
até agora as propostas não saíram do lugar.
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