José Caldas Costa - www.seculodiario.com.br
Leio com atenção as notícias dando conta de que o Governo do Espírito Santo anuncia, com pompas, circunstâncias e respaldo midiático acrítico o seu “novo programa de segurança” cujo nome, Estado Presente, traz embutida uma denúncia: se é necessário anunciar um “Estado presente”, logo, ele era ausente, é o que se deduz, embora não seja nenhuma novidade.
Em primeiro lugar, torço para que o programa dê certo, para o bem de todos nós, mas ele aparece num momento em que, finalmente, surgem as notícias dando conta do envolvimento de agentes públicos da área de segurança com organizações criminosas ligadas ao tráfico (qualquer semelhança com a arte de “Tropa de Elite” seria mera coincidência?) e afins, mas também se omite que há graves denúncias contra antigos ocupantes de altos escalões da PM do Estado.
Parabéns ao governo de Renato Casagrande por atacar um dos calcanhares de Aquiles de seu antecessor. A violência no Espírito Santo cresceu, vertiginosamente, durante o último governo e há quem diga, com alguma razão, que cresceu em todo o País. É verdade, mas no Espírito Santo foi desproporcional.
Como ainda sou muito jovem para sofrer do Mal de Alzheimer, e tomo precauções para nunca ser alcançado pela moléstia da falta de memória, peço a ajuda da tecnologia e descubro em meus arquivos digitais uma notícia de dez anos atrás, ou seja, de 2001, acerca do programa de segurança que foi a única coisa que parece ter escapado à tragédia do governo de José Ignácio. Permitam-me reproduzir o texto, na íntegra. O título diz “Programa de Segurança reduz em 40% os crimes no Espírito Santo”. E o texto diz:
“O governo do Espírito Santo começa a colher, bem antes do que previa, os frutos da política de segurança pública planejada ao longo dos 12 primeiros meses de administração do governador José Ignácio Ferreira (PSDB) e lançada em dezembro: a redução média no número de homicídios na Região Metropolitana da Grande Vitória foi de 39,7% no primeiro semestre deste ano, comparado com o mesmo período do ano passado.
- Nem Nova Iorque conseguiu um êxito tão rápido -, comemora o major Julio Cezar Costa, secretário-executivo do Programa de Ações e Planejamento de Segurança Pública (Pro-Pas).
Os índices são baseados em números do Datasus e divulgados pela Secretaria Municipal de Cidadania e Segurança Pública da Prefeitura de Vitória. A própria capital capixaba, apontada em estudos nacionais divulgados no início do ano como uma das cidades mais violentas do País, teve uma redução de 56,2% no número de homicídios.
A maior queda nos índices da região metropolitana foi em Viana, com menos 73% de crimes contra a vida, enquanto a menor queda foi em Cariacica, com menos 10,2%.
- As ações do Pro-Pas têm a vantagem de ser dinâmicas. A partir desses indicadores, vamos concentrando ações em locais que demandem maior presença do Sistema de Defesa Social - disse o secretário de Segurança, Luiz Carlos Nunes.
- Cada ação de governo foi cuidadosamente planejada, enquanto montávamos o núcleo principal da política de segurança, que é o Pro-Pas - disse o major Julio Cezar Costa, que já havia alcançado notoriedade nacional quando implantou em 1993, como capitão, a Polícia Interativa em Guaçuí, cidade 220 quilômetros ao Sul de Vitória.
O Pro-Pas aproveita muito da experiência acumulada por Julio Cezar no seu primeiro projeto, que tomou alguns parâmetros de experiências internacionais de comunitarização da polícia.
Menos de dois meses depois de tomar posse, o governador José Ignácio comandou pessoalmente a ocupação dos presídios capixabas pela Polícia Militar. E colocou como interventores oficiais da PM.
- Foi o primeiro golpe no crime no Estado. Assaltos a bancos, sequestros, tráfico de drogas, tudo isso era comandado de dentro das próprias cadeias, que haviam se transformado em condomínios pagos pelo contribuinte. O governo havia perdido há três anos o controle sobre os presídios - disse o governador.
Os primeiros resultados da política de segurança do governo capixaba começaram mesmo antes da implementação do Pro-Pas. Em 1999, pela primeira vez em 10 anos, houve redução no número de homicídios no Espírito Santo (3,9%): 1.316 em 1999 contra 1.396 em 1998.
- Ao final de 2000, o salto será formidável - prevê o secretário de Segurança Pública.
Mas não foi apenas nos crimes contra a vida que o governo conseguiu êxitos logo no primeiro ano: a fuga de presos caiu 69,3%, os assaltos a bancos foram reduzidos em 52,7%.
A parte mais visível do Pro-Pas são os corredores de segurança, nos quais rádio-patrulhas do modelo Santana têm como base módulos espalhados estrategicamente ao longo de quase 100 quilômetros, das praias do município da Serra a Guarapari.
São duas rádio-patrulhas em cada posto. Enquanto uma fica de plantão, a outra circula nas imediações. Foram treinados 360 policiais militares especialmente para trabalharem nos corredores.
- Quando acionadas, as rádio-patrulhas podem se deslocar em menos de dois minutos para os locais de ocorrências - disse o tenente-coronel Pedro Delfino, subsecretário de Segurança Pública.
Para aumentar a segurança dos capixabas, o governo do Espírito Santo investiu R$ 10 milhões na aquisição de 202 rádio-patrulhas, sendo 142 para a Polícia Militar e 60 para a Polícia Civil, informatização completa da PM, no lançamento do Pro-Pas e baixou um decreto determinando um mutirão para dar andamento a cerca de 10 mil inquéritos que estavam parados na polícia.
- O Pro-Pas é dinâmico e não se resume aos corredores. A sustentação do programa são as ações reativas, que é esse combate direto à criminalidade, e as ações proativas, que consistem na intervenção precoce principalmente junto a jovens entre 14 e 24 anos para evitar que entrem para o crime, oferecendo-lhes outras opções de esporte, lazer e cultura, dando-lhes palestras, dentre outras atividades -, explica o governador José Ignácio”.
Ao final, a notícia dá os números que comprovariam a tese:
Cidades | 1º Semestre 1999 | 1º Semestre 2000 | Percentual de Redução |
Vitória | 137 | 60 | 56.2% |
Vila Velha | 169 | 99 | 41.4% |
Cariacica | 147 | 132 | 10.2% |
Serra | 224 | 131 | 41.5% |
Viana | 52 | 14 | 73.0% |
Guarapari | 31* | 22 | 29.0% |
TOTAL | 760 | 458 | 39.7% |
Fontes: Secretaria Municipal de Cidadania e Segurança Pública e *Centro de Operações da Polícia Militar (Copom).
A segunda fase do Pro-Pas, naquela época, comportou um vasto planejamento de parcerias entre as secretarias de Estado, a Universidade Federal e a sociedade para levar a presença do Estado aos bairros de maior risco, visando a evitar a tragédia social que se sucedeu, quando o “novo Espírito Santo” desmantelou tudo o que estava preparado para acontecer. É o teatro: estabelece-se o caos para criar uma nova ordem soberana.
Hoje, antes que alguém pudesse se lembrar dele, o Estado tratou de tirar de circulação o mentor e coordenador do antigo Programa de Planejamento e Ações Estratégicas de Segurança (Pro-Pas). Assim, não há o risco de se lembrar que tudo isso já existiu um dia, com pleno êxito, mesmo antes de sua plena execução, e se dar a César o que é de César.
Mas, é como disse Paul Claval, em “Espaço e Poder” (Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1979, PP. 22-38), “o poder puro não exige investimento preliminar em matéria de informação e ideologia, mas implica uma vigilância constante; para que esta atinja seu objetivo, deve aplicar-se em geral sem lacuna e sem falha: ela deve cobrir com a mesma intensidade todo o campo no qual se desenvolve a atividade daqueles que são observados”.
Recomendo, porém, um alerta do próprio Claval: “O exercício do poder puro envolve custos consideráveis (...). Há, por vezes, mais pessoas fora do bairro em que residem do que nele. A multidão das grandes cidades permanece anônima; seu controle é sempre imperfeito e se torna cada vez mais oneroso, à medida que a dimensão da aglomeração aumenta”.
E, por último, um alerta: sociedade sem memória é sociedade sem história. E sem memória se aceita qualquer coisa como novidade, verdade absoluta, absoluto poder puro.
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