quarta-feira, 14 de setembro de 2011

CORRUPÇÃO SÃO PAULO S.A: Ministério Público denuncia 20 pessoas por fraude milionária; prefeitura embarga mais 20 obras

Janaina Garcia - Do UOL Notícias - Em São Paulo
O Ministério Público de São Paulo apresentou à Justiça nesta quarta-feira (14) denúncias contra 20 pessoas acusadas de fraude em documentos públicos a fim de beneficiar obras comerciais e residenciais que tiveram o limite de construção expandido. Foram imputados ao grupo os crimes de formação de quadrilha, estelionato, fraude processual, falsificação de documentos e falsidade ideológica.
A ação foi proposta pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) um dia depois de o corregedor-geral do município, Edílson Bonfim, repassar ao MP relatório preliminar da pasta apontando um esquema criminoso que, de 2007 a abril deste ano, teria gerado um rombo aos cofres do município de mais de R$ 50,5 milhões e que pode chegar a R$ 70 milhões. Ainda no relatório, Bonfim apontou 20 nomes, entre donos de construtoras, administradores de empresa e contadores, que teriam se organizado em quadrilha para as fraudes, descobertas em junho passado.

As fraudes, aponta a Corregedoria-Geral, ocorreram na falsificação de autenticações bancárias que comprovariam o recolhimento da outorga onerosa, taxa que permite ampliar a construção além dos limites impostos em lei.

Na próxima semana, a Corregedoria anuncia a finalização completa do relatório e a confirmação ou não de participação de servidores públicos no esquema investigado.

A denúncia de hoje cita que os acusados agiram “dentro de um sistema organizado e hierarquizado” no qual “surgiram os ‘despachantes’, responsáveis por intermediar os interesses escusos dos proprietários das construtoras junto à Prefeitura; os ‘arquitetos e engenheiros’, cuja função era apresentar os ‘despachantes’ aos proprietários de construtoras interessados em se beneficiar fraudulentamente do erário municipal; e os ‘empresários’, proprietários das construtoras que financiavam a atividade da organização criminosa e, em contrapartida, se beneficiavam, reiteradamente, em vários empreendimentos imobiliários das fraudes praticadas contra o erário municipal”.

Além do Gaeco, o caso segue em análise no MP paulista ainda pela promotoria de Defesa dos Direitos do Consumidor. De acordo com o corregedor, o objetivo desse desmembramento é assegurar que clientes das obras investigadas não sejam prejudicados por eventuais atrasos na construção ou mesmo em alvarás irregulares, inexistentes ou que venham a ser cassados.

Após suspeita de fraude milionária, São Paulo embarga prédios de luxo

Obra de prédio residencial de 29 andares na rua Eleonora Cintra, s/nº, Vila Formosa, da Porte Construtora Ltda., é uma das construções embargada pela Prefeitura de São Paulo graças à suspeita de fraude no recolhimento da outorga onerosa, taxa cobrada para autorizar prédios mais altos do que o limite

Novos embargos

Também hoje, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) determinou o embargo de mais 20 obras comerciais e residenciais por supostas fraudes no pagamento da outorga onerosa. O despacho foi publicado no Diário Oficial da Cidade e começou a ser cumprido pelas subprefeituras nas vilas Mariana e Duarte e no Ipiranga (zona sul), em Santana e na Casa Verde (zona norte), na Mooca e no Aricanduva (zona leste) e na Lapa (zona oeste). Os 20 empreendimentos são de 19 construtoras.

Na semana passada, um primeiro despacho do prefeito no Diário Oficial já havia determinado o embargo de outros 22 empreendimentos, a maioria nas zonas oeste e leste da capital. Daquele grupo é que seria ainda a maior parte do rombo apurado: cerca de R$ 40 milhões.

Em relação aos novos embargos, solicitados ontem, o corregedor-geral informou que, além do MP, requereu medidas também na esfera administrativa à PGM (Procuradoria-Geral do Município): o órgão avaliará cada caso no que diz respeito à legalização desses empreendimentos apenas a partir do pagamento da outorga devida, mais multa. "A Procuradoria poderá decidir se o procedimento permanece válido com a coleta da dívida, ou se ele volta a um novo processo de outorga onerosa", explicou o corregedor.

Ausência de servidores

Indagado sobre a ausência de servidores da prefeitura no esquema, a partir de um relatório preliminar que cita “95% das responsabilidades nas fraudes", Bonfim justificou que, por ora, “há suspeitos, não indícios”.

“Investigamos a todo tempo os servidores – mas entre a imaginação, a hipótese e a prova cabem o suspeito e o indício. E só no último escalão da prova poderíamos falar em indícios. Por conta dessa suspeita, portanto, é que até semana que vem estaremos ainda investigando”, disse. “Indícios [contra servidores municipais] ainda não temos. Se houve algum prejuízo, alguma falha, isso será apontado –mas destacando que uma coisa é erro, outra coisa é dolo [intenção]."

Fraude apresentada em juízo

Das 22 obras que tiveram embargo determinado e cumprido pela prefeitura, semana passada, oito tiveram a medida suspensa por liminares judiciais. Uma delas é o edifício comercial "The One", de 17 andares, de responsabilidade da construtora Mesarthin Empreendimentos Imobiliários S/A no Itaim Bibi (zona oeste). Na ocasião, a empresa, em nota, informou ter obtido liminar da 7ª Vara de Fazenda Pública contra a paralisação e que já depositou em juízo os mais de R$ 14 milhões referentes à outorga devida, na proposta aceita pela Justiça.

Em entrevista coletiva ontem, contudo, o corregedor declarou que o contrato apresentado em juízo pelo consórcio formado pela empresa Odebrecht e pela Zabo, que forma a empresa Mesarthin, não seria válido e teria burlado a boa-fé da Justiça.

“É um contrato com falsidade ideológica: o fundador da Rio Quente, em Goiás, aparece como signatário de um contrato no qual ele teria pago [como intermediário entre prefeitura e o dono de construtora] a outorga com títulos da dívida pública. Mas três diretores da Mesarthin que depuseram disseram que não conhecem essa pessoa, e ele mesmo disse não ter assinado nada. Foi uma simulação de negócio, um contrato fraudado, e comunicaremos o juiz que a decisão dele foi tomada a partir de um documento desses, que ele foi enganado”, avisou Bonfim. Segundo ele, a empresa não apresentou no prazo de 24 horas, concedido semana passada, o contrato original.

Em nota, a assessoria da Mesarthin informou que a negociação para a aquisição dos créditos da Prefeitura de São Paulo foi realizada entre a Mesarthin e Marcos Gusmão Matheus, "que se apresentou como representante da empresa Rio Quente Construtora Incorporadora e Participações Ltda, que seria detentora dos referidos créditos".

"Os pagamentos foram realizados por meio de TED, em conta corrente de titularidade da Rio Quente, mantida no Banco do Brasil. Foram realizados cinco pagamentos, entre janeiro e abril deste ano, no valor total de R$ 11.405.856,00. O montante pago corresponde ao valor total da outorga onerosa, com desconto comercial de 20%", informa a nota. "Diante de questões levantadas pela Corregedoria Geral do Município, a Mesarthin já colocou à disposição das autoridades toda a documentação referente ao caso. A Mesarthin já notificou a Rio Quente para que preste os esclarecimentos quanto aos recursos que foram depositados em sua conta. Se for comprovado que a Mesarthin foi vítima de fraude, a empresa tomará as medidas judiciais cabíveis."

Prisões

Ao todo, quatro pessoas foram presas em flagrante no último dia 26, suspeitas de integrarem o esquema investigado. Um dos presos, o arquiteto Joel José Abrão da Cruz, foi libertado ontem graças a liminar do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) em pedido de habeas corpus apresentado pela defesa. Conforme as investigações da prefeitura, Abrão agiria como um dos principais intermediários do esquema.

Relação de obras e regiões

As novas construções que serão embargadas pertencem às empresas MGF Imóveis Ltda, Articom Negócios e Participações Imobiliários Ltda, Saint Paul Quality MP Ltda, Madu Administrações e Participações Ltda (todas em Santana) e Alca Empreendimentos Imobiliários Ltda (na Lapa), G9 Offices II Emo Imobiliária Ltda, G9 Incorporadora Construtora Ltda, ML Construções e Participações Ltda, Mauricio Hanna Yousseff  (todas na Vila Mariana), Inal Interaudiodivisão Lab e Emp Ltda, Ilha de Capri Empreendimentos Imobiliários Ltda, Majore Empreendimentos Imobiliários Ltda, Engetrevs Construções e Participações Ltda, Mirante do Tatuapé INC Spe Ltda  (todas, na Mooca), Construções e Empreendimentos Imobiliários Ltda (com duas obras no Ipiranga), Metropolitan Planejamento Imobiliário Ltda e Porte Construtora Ltda (ambas no Aricanduva) e Incoporadora Odair Fernandes (na Casa Verde).

Na primeira etapa de embargos, as construtoras citadas negaram as irregularidades e disseram ter confiado em intermediários que garantiram o pagamento dos valores devidos ao município por meio de títulos da dívida pública. A prefeitura diz não acreditar nessa versão. Mesmo assim, o corregedor frisou que donos de três delas admitiram a culpa, já que o negócio ficaria, em média, até 60% mais barato para cada um.

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