Jaqueline Falcão (jaquefalcao@sp.oglobo.com.br)
SÃO PAULO - Dez anos depois da reforma psiquiátrica, os 201 hospitais psiquiátricos conveniados ao governo federal vão passar por uma auditoria do Ministério da Saúde. O atendimento oferecido aos pacientes com transtorno mental pelo Sistema Único de Saúde (SUS) será avaliado em unidades de 123 municípios brasileiros.
Durante as auditorias, serão avaliados, por exemplo, aspectos como a estrutura física dos hospitais, a relação de profissionais que atendem aos internados (psiquiatras, clínicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, auxiliares de enfermagem e terapeutas ocupacionais) e a evolução do tratamento dos pacientes.
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Em caso de irregularidades, os locais terão 60 dias de prazo, a partir 1º de setembro, para se regularizar. Se descumprirem as normas e não se adequarem as instituições serão descredenciadas do SUS, de acordo com o Ministério de Saúde.
As auditorias começaram em abril, como projeto-piloto, em Sorocaba, a 97 km da capital. Em abril, o Ministério da Saúde iniciou uma auditoria no Hospital Vera Cruz, em Sorocaba, a 97 km da capital, e visitas técnicas em outros seis hospitais psiquiátricos da região. As unidades foram escolhidas devido ao histórico de mortes e concentração de pacientes.
As suspeitas de inadequações na saúde mental da cidade foram investigadas com a Secretaria Especial de
Direitos Humanos do Ministério da Justiça e do Fórum de Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas). As análises sobre estes hospitais estão em fase de conclusão e farão parte do censo, segundo o Ministério da Saúde.
Na região de Sorocaba, nos últimos 4 anos, segundo denúncia do Fórum da Luta Antimanicomial, 459 pacientes de sete hospitais psiquiátricos morreram. Só no ano passado, segundo a entidade, o número de mortes teria sido 104, nos sete hospitais da região. O Ministério Público Federal também investiga as 104 mortes de 2010
O professor Marcos Garcia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), integrante do Flamas, fez um levantamento sobre as mortes de pacientes que tiveram pneumonia como causa básica ou causa associada em uma das instituições que constam na lista da auditoria do Ministério da Saúde. Ele constatou 27 casos, o que equivale a 35% dos pacientes mortos entre 2006 e 2009.
Uma ex-funcionária de um hospital da região denunciou à entidade que roupas de frio são contadas para o dia. Ou seja, se os pacientes se sujam ou se molham, vão permanecerem assim o dia e a noite inteiros. E tem dias que eles ficam sem tomar banho por não ter roupa para vestir.
De acordo com o diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), Adalberto Fulgêncio, o departamento vai apresentar, no prazo máximo de 10 dias, o roteiro de vistoria. - Estamos delineando o plano operacional para avaliação dos 201 hospitais - disse.
No Rio Grande do Sul, cerca de 50 clínicas clandestinas nas cidades de Alvorada e Cachoeira do Sul, na Grande Porto Alegre, são alvo de inquérito civil no Ministério Público. Após denúncias, duas promotoras constataram maus-tratos a doentes mental, falta de higiene, além de idosos mantidos junto com pacientes psiquiátricos.
Em Alvorada, segundo a promotora Rochelle Jelinek, alguns pacientes estavam amarrados quando a fiscalização chegou. Há 30 inquéritos em andamento. Dois locais já foram interditados.
- A falta de higiene e também de alimentação foram situações graves constatadas. Só em um local, havia 47 abrigados. Infelizmente, só conseguimos apurar quando recebemos denúncias. Por isso, pode haver outros locais. Como estes pacientes ficam dentro de casa, não saem, é difícil o lugar chamar a atenção - diz Rochelle.
O Ministério Público descobriu que médicos e assistentes sociais de hospitais encaminhavam os doentes para as clínicas clandestinas.
-A maioria não recebe cuidados médicos. Às vezes, o dono da casa leva em algum hospital público em caso de emergência - conta Rochelle.
Na cidade de Cachoeira do Sul, a promotoria investiga o funcionamento de 21 clínicas irregulares. - Eu vou pessoalmente nessas casas. Vi pessoas em quartos sem ventilação, sem iluminação. Os doentes me abraçam, reclamam que passam fome e perguntam pelos parentes. Aqui na cidade, estima-se que há 350 pessoas vivendo nessas casas, sem o tratamento adequado - relata a promotora Giane Saad.
O Ministério Público encontrou até adolescentes internados nas clínicas clandestinas e um doente tetraplégico, que não sofre de transtorno mental.
Em Porto Alegre, a assistente social Beatriz Malmann, que já acompanhou várias ações de fiscalização em casas com doentes mentais, relata ter encontrado doentes confinados em quartos sem iluminação ou janelas.
- Lembro que uma clínica funcionava em um terreiro de umbanda. E os doentes estavam em um porão, escuro. Algo terrível - diz Beatriz, que hoje atua em hospital.
Uma lei federal, de 2001, proibiu o confinamento de doentes com distúrbios mentais crônicos em hospitais, determinando a reinserção nas famílias, sob supervisão de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Com a eliminação da maioria das vagas em instituições públicas, multiplicaram-se clínicas clandestinas que mantêm seus pacientes vagando praticamente sem assistência ou, simplesmente, amarrados.
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