Wagner Barbosa e Vinícius Valfré - Rádio CBN Vitória (93,5 FM)
"Eu vivo sofrendo e vou sofrer até o fim da vida dele, ou até o fim da minha vida, porque eu amo meu filho demais".
Maria das Graças - mãe de um preso
Maria das Graças - mãe de um preso
Há meses a dona de casa Maria das Graças Nunes Silva, de 59 anos, luta por mínimas condições de estrutura na Penitenciária Regional de São Mateus, e busca por tratamento médico para que o filho possa cumprir a pena de oito anos e seis meses.
Mas este não é um caso isolado do presídio do Norte capixaba, inaugurado no ano passado. Presos são ameaçados de morte por agentes penitenciários, acordados no meio da madrugada sob a desculpa de que é hora do café da manhã. Isso às 4 horas. Cacos de vidro e acrílico misturados a alimentação também foram registrados, e um detento está quase cego por ter sido atingido por uma bala de borracha.
Caco de vidro em comida
A fiscalização, divulgação e investigação de casos de maus tratos seguem em ritmo lento. Familiares dos internos da Penitenciária de São Mateus, desacreditados das políticas do Estado, ou mesmo da falta delas, apelaram, em cartas para uma rádio comunitária do município. Os relatos também chegaram à nossa reportagem. A mãe de um preso, por exemplo, tem consciência de que o filho precisa pagar pelo crime que cometeu, mas considera os excessos uma injustiça.
"Eles já estão ali pagando pelos crimes que cometeram, já apanharam o que tinham que apanhar. Não é justo que eles continuem sendo espancados. Não é justo que eles passem por tudo que estão passando", escreve. E acrescenta: A comida está indo para eles com caco de vidro, plástico, etc. Isso é uma injustiça. Seja lá qual for o crime que eles tenham cometido", diz um dos trechos da carta.
A história é confirmada pelo auxiliar de serviços gerais, Reginaldo Pereira Xavier, de 34 anos. No dia 9 de julho ele foi visitar o irmão de 21 anos, que cumpre os primeiros três meses de uma pena de oito anos. Ele soube que os internos encontraram pedaços de vidro e acrílico misturados à comida. "Eles foram reclamar com os agentes que tinha pedaços de acrílicos dentro do marmitex. Eles acharam que os agentes iam tomar uma previdência para tirar os pedaços de acrílico, mas os agentes bateram neles e deixaram no castigo", contou.
O secretário de Estado de Justiça, Ângelo Roncalli, afirma que o funcionamento da penitenciária, que existe desde 2010, tem sido positivo e desconhece irregularidades na alimentação dos detentos. "Toda denúncia tem que ser apurada. A penitenciária de São Mateus existe há pouco tempo e nós temos recebido informações muito positivas sobre o funcionamento dela... eu estive na unidade prisional há um tempo atrás e observei o tratamento dos agentes com relação aos presos. Não vi nada de anormal", defendeu.
Apurações insatisfatóriasA diretora da Organização Justiça Global, Sandra Carvalho, frisa que o Estado não oferece resposta para as necessárias investigações dos inúmeros crimes denunciados, omitindo-se especialmente quando se trata de apurar a responsabilidade de agentes públicos.
"O Estado não apura, ele simplesmente não apura. São raros os casos de violência, tortura e homicídios que foram investigados de forma satisfatória. Esse é um grande problema. O Ministério Público e o Poder Judiciário falham na fiscalização. Um exemplo disso foi a apreensão dos porretes (em 2010, na Unis). Passados mais de um ano da apreensão nós ainda não temos o resultado da investigação".
Sandra Carvalho destaca que no Espírito Santo, no lugar da necessária apuração das denúncias, o que se percebe é uma tentativa de negar os fatos. Segundo ela, essa postura contribui para a não responsabilização dos agentes públicos envolvidos nas mortes, torturas e outros atos de violência, segundo organizações da sociedade civil que monitoram o sistema carcerária.
"A gente continua constatando vários casos de agressão. Algumas unidades começam a apresentar cenários de superlotação que brevemente vai se consolidar. Nem todos os DPJs foram esvaziados. A gente ainda tem situações emblemáticas em alguns CDPs também. Infelizmente não há uma superação do quadro de violação. Algumas medidas foram implementadas. Elas foram importantes, mas são insuficientes".
Cartas mostram certo desespero e revelam um lado preocupante
"Eles estão dando comida estragada, com caco de vidro, plástico. Estão sendo obrigados a acordar às 4h para "tomar café". Ai deles se não levantarem.
Trecho de uma das cartas
Trecho de uma das cartas
O caso do condenado Walden Batista Silva Junior, 40 anos, filho da dona de casa Maria das Graças Nunes Silva é emblemático. Ele foi torturado por um agente penitenciário e o risco de perder parte da perna por causa dos ferimentos evoluiu para risco de morte.
As ameaças à vida do detento não se dão somente pelas proporções da lesão na perna direita. Depois de ter denunciado o agente penitenciário ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) - exonerado do cargo e denunciado à Justiça -, a mãe conta que se intensificaram as ameaças de morte por parte de alguns agentes dentro da Penitenciária Regional de São Mateus, onde o preso cumpre pena atualmente.
Dona Graça confirma que, além dela, centenas de mães de detentos sofrem diariamente com as torturas físicas e psicológicas a que os filhos são submetidos. A dificuldade em punir quem pratica crimes como estes e o medo de represálias fazem com que elas se calem.
"Tem umas mães aqui onde eu moro que estão com medo de denunciar. Eu tenho coragem. Eu não vou deixar meu filho daquele jeito e me calar. Eu não me calo, mas elas têm medo de falar aqui fora, e matarem eles lá dentro", diz dona Graça.
Sistema compromete apurações
Dona Graça prefere não comentar a demora para a apuração do caso. Diz somente que o agente precisa pagar pelo que fez. Já a promotora do Grupo de Trabalho em Execução Penal (GETEP), Luciana Andrade, alega que o ambiente das penitenciárias dificulta a apuração dos abusos. "Nesse episódio especificamente, nós não tomamos conhecimento no dia do fato. A gente tomou conhecimento depois de um tempo, em virtude de denúncia da própria família. Tudo tem que ser apurado porque é a palavra da pessoa presa contra a do agente, que em regra nega", explica.
O GETEP foi criado em 2006 para, entre outras coisas, fiscalizar as unidades prisionais do Estado e promover o cumprimento efetivo da Lei de Execuções Penais. Nesse período o Grupo, que tem cinco promotores que também atuam em Varas Criminais, ofereceu quatro denúncias de tortura em cadeias capixabas à Justiça, salienta a promotora. "A demora pode ser causada por inúmeros fatores. Nós temos que fazer perícia, ouvir pessoas. Há todo um sistema que exige responsabilidade em processar alguém, em punir alguém".
"Eu quero pedir que não tenham medo. Denunciem. Mais denunciem mesmo. Vamos nos unir e denunciar. Quanto mais você tem medo, mais eles sofrem. Eles estão sendo pisados, humilhados e maltratados pelos agentes".Trecho de uma das cartas
O Secretário Angelo Roncalli também diz não saber se os presos, de fato, foram acordados na madrugada para "tomar café", e recomenda que os parentes levem as denúncias aos órgãos competentes. "Quatro horas da manhã eu desconheço. Acho que isso não ocorre. Mas se a carta assim diz, que encaminhe a carta para o juiz de execução penal... a minha orientação é a seguinte: qualquer denúncia tem que ser feita. Até para que se possa apurar e chegar à verdade. Se existe indício de que há um crime, que vá à polícia e faça uma ocorrência policial".
A orientação, segundo Roncalli, é a mesma para o condenado Walden. O preso já precisou refazer os pontos cirúrgicos após ter que dobrar a perna para entrar numa viatura. "Se o Walden está se sentindo ameaçado, ele também deve denunciar. Os juízes estão frequentando as prisões, porque têm que fazer a fiscalização mensalmente".
Vendeu cabelo para comprar remédio para o filho preso
Sem fonte de renda e com o marido com problemas de saúde, Dona Graça chegou a vender objetos da casa e o próprio cabelo para financiar o valor das passagens até os presídios por onde o filho passou. Os 57cm de cabelo foram vendidos por R$ 400, depois que uma enfermeira do Presídio de Segurança Máxima II de Viana a recomendou que comprasse remédios para tratar os ferimentos da perna do filho.
Walden foi agredido quando chegou em Viana. Após o episódio, a mãe conta que ficou impedida de visitá-lo durante quatro meses. A cena do filho chegando em uma cadeira de rodas com os ferimentos na perna foi desesperadora. "Eu entrei em desespero. Toda vez que eu lembro sinto um tremor. Sinto como se fosse agora que estivesse vendo ele".
O pedido de prisão domiciliar de Walden foi negado. Hoje ele fica isolado em um quarto da penitenciária, sem condições de locomoção devido à gravidade dos ferimentos provocados pelos golpes do agente penitenciário. Quatro cirurgias foram feitas, mas um médico disse à Dona Graça que apenas a amputação pode fazer com que desapareçam as dores, que segundo a mãe, são controladas apenas com comprimidos de Paracetamol. "A minha vida é de sofrimento. Eu não estou dormindo mais, não tenho fome. Estou tomando remédio controlado. É porque eu não sei mais a quem recorrer. Não sei o que eu faço", disse.
O secretário Angelo Roncalli ressalta que a partir de agosto todas as unidades prisionais do Espírito Santo terão equipes médicas para assistência básica. Casos graves serão encaminhados para hospitais. "Esse preso vinha recebendo tratamento no Complexo de Viana. Por decisão judicial ele foi encaminhado para São Mateus porque fica próximo da Família. Não existe registro, de acordo com o diretor de que ele não tenha atendimento. O Espírito Santo tem um diferencial. A partir de agosto o atendimento básico de saúde dos detentos será feito nas unidades prisionais. E São Mateus tem essa equipe".
"Estão se achando melhor do que os outros e dando uma de bravos querendo espancar os nossos filhos? Vai parir para depois bater".
Desabafo da mãe de um preso
Desabafo da mãe de um preso
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