sexta-feira, 3 de junho de 2011

SUL CAPÍXABA: DPVAT, hospital, médicos e Avates são suspeitos de fraude. Vídeo mostra como esquema funcionava

O Ministério Público pediu abertura de auditoria na Santa Casa de Misericórdia de Cachoeiro de Itapemirim. O objetivo é investigar denúncias contra médicos ortopedistas, o próprio hospital e também a Associação das Vítimas de Acidentes de Trânsito do Espírito Santo (Avates).

Eles são suspeitos de se beneficiarem do seguro contra Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), das vítimas de acidentes de trânsito. Pelo menos quatro pessoas já denunciaram o esquema.

Todo o custo dos atendimentos deveria ser bancado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas os pacientes alegam que foram induzidos a fazer os procedimentos de forma particular, com as despesas cobertas pelo seguro.

As alegações para não atender pelo SUS, segundo os denunciantes, iam da falta de vagas à demora na fila de espera pelo atendimento. Eram os médicos que procuravam os acidentados, ou seus responsáveis no próprio hospital, para oferecer o atendimento particular, embora as cirurgias tenham sido realizadas na Santa Casa.

Em parceria com a Avates, conforme a denúncia, os médicos propunham um contrato que dava autonomia para a Santa Casa, ou para algum representante da associação, para receber os valores disponibilizados pelo seguro DPVAT para custeio das despesas médicas das vítimas, um valor médio de R$ 2,7 mil.

Em caso de morte, o valor chega a R$ 13,5 mil. Para casos de invalidez permanente, o teto é o mesmo. Só após a assinatura do documento de liberação dos recursos do seguro, os médicos realizavam as cirurgias, particulares, negando, assim, um direito estabelecido pela Constituição Federal de 1988, que garante o acesso ao atendimento público de saúde.

Demora deixa jovem com sequelas
Em 2009, o jovem casal Eduardo Moreira Silva e Jéssica Calegari sofreu um grave acidente de carro. Eles colidiram de frente com um caminhão na BR 101 Sul, nas proximidades de Atílio Vivácqua. Além de outras escoriações, Eduardo teve fraturas no braço e contusões na bacia, e Jéssica quebrou o fêmur.

Eduardo conta que foi procurado, em casa, 15 dias após o acidente, pelo do dono da Avates, identificado como Cláudio, e pela funcionária Alcinete de Lima, conhecida como Nete.

Ele ainda estava na cadeira de rodas, por conta de contusões na bacia, e com fratura no braço, aguardando para fazer a cirurgia pelo SUS.

“Minha esposa estava no hospital há duas semanas, aguardando para operar o fêmur. Tentaram me convencer a assinar a documentação para dar a eles o direito de receber por mim o DPVAT. Desconfiado, não aceitei. Eles então me disseram que minha esposa não seria operada naquele momento. A cirurgia já estava marcada, mas quando cheguei ao hospital já haviam desmarcado. Procurei então o doutor Paulo Henrique Paris, ortopedista, e perguntei: ‘se eu assinar a procuração, minha esposa será operada?’ Ele então me disse: ‘ainda hoje!’”

O denunciante conta que, após a assinatura da documentação, sua esposa foi operada no mesmo dia. “Eu esperei mais de um mês para realizar a cirurgia no braço. E, pela demora no meu atendimento, fiquei com dois dedos da mão atrofiados”, diz Eduardo.

Vídeo mostra como esquema funcionava
Em vídeo gravado na própria Avates, ao qual o jornal FATO teve acesso, a funcionária Alcinete de Lima, conhecida como Nete, aparece negociando com Eduardo de Lima uma porcentagem de 30% de comissão para o órgão, após a assinatura dos documentos de autorização para as cirurgias. Ela propõe a abertura de uma conta conjunta com a vítima para o recebimento dos valores do seguro.

O valor do seguro depositado na conta conjunta em nome de Eduardo e Alcinete é de pouco mais de R$ 5 mil. Até hoje está na poupança e só poderá ser sacada na presença dos dois titulares.
Já dos R$ 7 mil que seriam de sua esposa, Jéssica Calegari, por direito, apenas R$ 2,9 mil foram repassados a ela. O restante foi descontado para as despesas hospitalares, afirmou Eduardo, acrescentando ainda que nunca recebeu nota fiscal de nenhum atendimento.

Outra vítima
Outro que se diz prejudicado é Fernando Salles, atendido pela Santa Casa em 2008. “Fui induzido a fazer cirurgia particular. Disseram-me que o SUS não tinha vaga naquele momento, e que iria demorar pra eu conseguir ser atendido. Recebi meu DPVAT e usei o dinheiro para pagar os custos médico-hospitalares, mas não foi o suficiente. Me ligaram em seguida para cobrar o valor que havia excedido o montante de R$ 2,7 mil”.

Santa Casa nega irregularidades
A Santa Casa de Cachoeiro nega envolvimento em qualquer tipo de irregularidade. A assessoria de imprensa do hospital informa, através do departamento jurídico, que não há fraudes relativas ao SUS e ao DPVAT.

“Os atendimentos efetuados pelo SUS foram faturados pelo SUS, e os atendimentos efetuados pelo DPVAT foram faturados pelo DPVAT. Não há cobrança em duplicidade”, garante o advogado da Santa Casa, Elliano Pinheiro Silva, acrescentando que a instituição está à disposição da Justiça para qualquer esclarecimento necessário.

Na recepção da Santa Casa, a informação é de que, quando o paciente chega à instituição para ser atendido, os primeiros socorros são sempre feitos pelo SUS. Somente após o pré-atendimento é possível definir se este paciente continuará a receber atendimento pelo Sistema Único de Saúde ou particular, sendo esta uma escolha do próprio paciente ou de algum responsável.

Um dos médicos citados no caso, Alberto Soeiro, ortopedista, também foi procurado na semana passada por nossa equipe para prestar esclarecimentos sobre as denúncias feitas contra ele. O médico, que estava no centro cirúrgico, se negou a atender a reportagem. Por telefone, deixou recado com uma das secretárias da Santa Casa, “que nada teria a declarar sobre o caso, e que sua defesa já teria sido encaminhada pela instituição”.

Avates
Após uma semana de tentativas, somente na última terça-feira foi possível estabelecer contato com a Avates.

Por telefone, Nete – a mesma que aparece nos vídeos negociando o recebimento de 30% dos valores dos seguros das vítimas – declarou não estar autorizada a fazer qualquer declaração sobre o assunto e se recusou a responder às perguntas.

Após insistência, repassou o telefone do advogado da empresa, Luis Alfredo, que atua na capital. Mas ele não atendeu as ligações.

Superintendente confirma: “SUS é obrigado a atender”
O superintendente regional de Saúde, Jair Ferraço, confirmou a informação. “Todos os casos de urgência e emergência são atendidos de imediato pelo SUS. A escolha por plano particular ou serviço público é feita após este momento, pela família ou pela própria vítima, se estiver em condições. Mesmo se o Sistema Único de Saúde estiver sobrecarregado ou lotado, são encontradas outras formas para atender os pacientes gratuitamente”, disse Jair.

O superintendente acrescentou ainda que em casos de cirurgias eletivas, ou seja, pré-agendadas, todas são agendadas diretamente na superintendência, gratuitamente, pelo SUS. Nenhuma cirurgia particular pode ser agendada pela Superintendência de Saúde, salvo nos raros casos de compra de cirurgias pelo órgão. 

Denúncia de omissão de socorro
Para o advogado que representa as vítimas no processo, Breno Fajardo, tanto a instituição quanto os médicos podem responder por crime de omissão de socorro, formação de quadrilha e corrupção passiva.

Ele também desconfia de duplicidade, ou seja, que os médicos recebem o DPVAT para fazer o atendimento particular, mas realizam as cirurgias recebendo também pelo SUS. “O SUS é um direito de cada cidadão.

Este programa cobre todo e qualquer tipo de cirurgia, não tem por que os médicos argumentarem impedimentos para atender as vítimas. É omissão de socorro”, disse.

Segundo Fajardo, a denúncia já tramita no MP há mais de um ano e somente agora, após reincidência do pedido, o órgão se pronunciou.

MP fará auditoria na Santa Casa
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da Promotoria de Justiça de Cachoeiro de Itapemirim, informa que instaurou procedimento investigativo em relação ao caso.
Informa também que solicitou a realização de auditoria na Santa Casa de Misericórdia para apurar a denúncia. Após o procedimento, caso fiquem comprovadas quaisquer irregularidades, o MPES adotará as medidas legais cabíveis.

DPVAT
O Seguro DPVAT indeniza vítimas de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre.

É destinado exclusivamente a danos pessoais. Em caso de acidente, as situações indenizadas são morte ou invalidez permanente e, sob a forma de reembolso, despesas comprovadas com atendimento médico-hospitalar.

A própria vítima dá entrada nos pedidos de indenização e/ou de reembolso. O procedimento é simples, gratuito e não exige a contratação de intermediários. Basta juntar a documentação necessária, notas fiscais e comprovantes de gastos, e levar ao ponto de atendimento mais próximo.

Jackson Soares. jornal FATO.

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