domingo, 19 de junho de 2011

Ele sabe como seria o país de JK. Empresário que foi amigo de Kubitschek diz que se ele fosse presidente, hoje (19), todas as estradas estariam duplicadas

foto: Divulgação
Mario Garnero, empresário brasileiro
O dono da Brasilinvest possui nada menos do que 13,5 mil telefones em sua agenda
Abdo Filho
afilho@redegazeta.com.br

O empresário paulista Mario Garnero, 73 anos, dono da Brasilinvest, é famoso pela facilidade de trânsito que tem entre os poderosos de todo o mundo. Transita com a tranquilidade de poucos do Palácio do Planalto à Casa Branca. Segundo ele, são 13,5 mil telefones de poderosos em sua agenda. "O importante não é tê-los na agenda, o importante é que eles te atendam". Apesar da agenda recheada, a amizade com o ex-presidente Juscelino Kubitschek é o motivo de maior orgulho. A história e as lições dessa convivência se transformaram no livro "JK, a Coragem da Ambição", que Garnero acaba de lançar. Neste bate-papo com A GAZETA, o empresário, entre outros assuntos, lista os desafios de nossa economia e fala um pouco de sua amizade com JK.

Vivemos sob uma ameaça de inflação no Brasil e a desconfiança com relação à Europa é grande. Como o senhor analisa o atual momento da economia?
Acho que, acima de tudo, há uma visão clara sobre o que o Brasil pode fazer, o que deve fazer e o que não pode fazer. O que pode fazer, é o que já fizemos e deu resultado. Com Juscelino (Kubitschek), com a implantação da indústria nacional. Depois, com a reforma do Estado brasileiro, iniciada com a implantação do real, no governo Itamar Franco, prosseguido pelo Fernando Henrique e que o Lula levou para frente com muita competência, mantendo uma inflação baixa. Isso é o que nós podemos fazer. O que nós não devemos fazer é contemporizar com a inflação e com déficits importantes da balança de pagamentos. Combater a inflação, sem dúvida, é uma prioridade nacional. Hoje, ao abrir os jornais, lemos que a inflação começa a comer o poder de compra dos assalariados, como comeu durante muitos anos causando toda essa injustiça social. Além disso, temos de buscar, via exportações, um colchão de segurança entre US$ 30 bilhões e US$ 40 bilhões de sobras anuais para compensar aquilo que gastamos em outros serviços e que estão hoje sendo negativos na nossa balança de pagamentos.

No que diz respeito à inflação, o governo está tomando as medidas corretas?
Talvez não seja consenso na área produtiva brasileira, mas uma economia forte como a nossa - devemos estar entre as quatro maiores até 2016 - sempre vai chamar uma moeda forte. Não existe no mundo uma economia forte com moeda fraca, só a China, mas com uma manipulação. Acho que estamos nos níveis naturais do real em relação ao dólar. Quando o real se desvalorizava muito, tínhamos inflação. Acho ainda que devemos manter essa política de juros elevados. Como mudar isso? O governo precisa ter coragem para dizer que em três anos reduzirá a zero o seu déficit nominal. No momento que isso acontecer, você verá a inflação cair para o redor de 4%.

Como o senhor vê essa ameaça de crise na Europa e essa desconfiança com relação à manutenção do crescimento chinês?
Pode afetar. Todos nós vimos, durante a crise de 2008, como os capitais são volúveis, como eles entram em saem com facilidade. Mas o que precisamos ter em mente é que o Brasil tem mercado interno, tem uma parte jurídica estruturada e tem condições efetivas de crescer entre 5% e 7% constantemente, desde que não tenhamos inflação e déficit na balança de pagamentos.

Mas uma desaceleração na China acertaria em cheio nossa balança de pagamentos...
Sem dúvida prejudicaria, mas não creio numa desaceleração de grandes proporções. Acho que a China manterá uma desenvolvimento acelerado por, no mínimo, mais dez anos. Ela passará os Estados Unidos em termos de Produto Interno Bruto, mas, antes de 100 anos, ela não alcançará a renda per capita e a formação tecnológica dos EUA. Por tudo isso, não creio que a China esteja caminhando para uma desaceleração dessas proporções.

A Europa já não conta com esses trunfos...
No Brasil, sempre se dizia que a melhor coisa para combater o desemprego era aumentar o déficit público, que é a doutrina do (John Maynard) Keynes. Essa teoria foi fortemente usada pelos europeus. Hoje, o que vemos na Europa são diversos países devendo mais do que a soma total de suas riquezas, o Japão, por sinal, deve 220% do seu produto bruto. A consequência disso é estagnação e desemprego.

O Ibovespa vem recuando nos últimos meses. O senhor acha que o mercado está antevendo algo?
Está havendo uma reação dos investidores com relação às ações da Petrobras, afinal, o plano de investimentos que foi feito não está se cumprindo. Isso acontece porque a estatal está subsidiando a gasolina e o óleo diesel vendidos no Brasil. Ora, ao subsidiar isso quem paga a conta é a Petrobras, e paga, possivelmente de um dinheiro que deveria ir para os investimentos. Se o preço internacional do petróleo está alto, ele deve ser repassado à gasolina, outras formas de controlar a inflação devem ser buscadas.

foto: Divulgação
Mario Garnero, empresário brasileiro
Juscelino Kubitschek em almoço na residência de Mario Garnero, quando de sua visita a  São Paulo, como convidado do Centro Acadêmico 22 de Agosto (PUC-SP), em 1961
Então o problema está nos papéis da Petrobras?
Acho que sim. Veja que os capitais estrangeiros, em 2011, estão chegando numa proporção de US$ 65 bilhões e o grosso vai para investimentos diretos.

O Espírito Santo é o segundo maior produtor de petróleo do Brasil e está de frente para o pré-sal. Qual expectativa do senhor com relação ao pré-sal?
É preciso desvincular a Petrobras do governo, mesmo a União sendo sua maior acionista. Não podemos levar a Petrobras para ser uma espécie de financiadora dos consumidores de gasolina do Brasil. Ela tem capacidade para produzir 4,8 milhões barris/dia, e em dez anos pode chegar a nove milhões. Isso representa para o Brasil um grande salto de qualidade, podemos nos tornar autônomos com relação à balança de pagamentos. Para isso, a Petrobras deve ser apenas um produtora de energia, não tem de subsidiar ninguém.

O que esperar da economia mundial nos próximos anos?
Vejo um crescimento importante no peso de Índia, China, Rússia e Brasil. Vão puxar o crescimento pelos próximos cinco anos. Não vejo a Europa reagindo rapidamente, ficará mais num papel de equilíbrio. Os Estados Unidos sairão antes da crise, mas sairão machucados por um déficit que representa quase 12% do seu produto bruto.

Essa crise na Europa não puxará os outros para baixo?
Mais do que já puxou não é possível. Quando você vê os Estados Unidos crescendo, mesmo com um alto desemprego, acho que as forças vivas internas começam a pensar em outras formas de soluções políticas e econômicas. A Europa deve passar por profundas mudanças na forma de governar e poucos governos hoje no poder resistirão a isso.

O que falta para o Brasil deslanchar de vez?
O custo-Brasil, se eliminado hoje, teria o mesmo efeito de elevarmos a cotação do dólar em 25%. Isso mostra que não precisamos de derrubar o real, precisamos, na verdade, de melhorar o custo-Brasil. Onde ele está? Está numa desordenada estrutura tributária, onde ninguém sabe o que paga, o que deve pagar, já que conflitam-se legislações federais, estaduais e municipais, além de leis e portarias. Está na falta de infraestrutura de transportes, só para termos ideia, da nossa safra de 157 milhões de toneladas de grãos, 10% ficam nas estradas. Isso daria para alimentar o Paraguai, o Uruguai e o Chile juntos.

Um país que quer se grande não pode admitir isso...
Pois é... Isso porque só falamos das perdas tributárias e de infraestrutura. Temos, por exemplo, o custo da energia. Veja que Vale e outros estão procurando produzir alumínio fora do Brasil, eles fogem de um ICMS sobre energia elétrica que chega a bater nos 30%, 40%. Na Arábia Saudita e na Rússia, destino de algumas dessas empresas, o custo da energia é mundialmente competitivo, o que não ocorre por aqui. A classe empresarial brasileira faz um verdadeiro milagre quando chega a US$ 260 bilhões de exportação.

Se JK fosse hoje presidente do Brasil, quais seriam as prioridades?
Ele terminaria a integração do país. Todas estradas federais do Brasil, esteja certo disso, estariam duplicadas. Teríamos ainda uma grande infraestrutura portuária e aeroportuária. Eu trabalhei no programa JK-65 (Juscelino disputaria a presidência em 1965, mas com o golpe de 64 não houve eleições), caso ele tivesse sido implementado, teríamos alcançado a produção agrícola que temos hoje no início da década de 90.

O senhor acaba de lançar um livro sobre JK. Como era a relação de vocês dois?
Muito íntima. Quando nos conhecemos, em 1961, ele já havia deixado a presidência e estava sob um ataque constante de Jânio (Quadros, então presidente), que dizia que o inimigo público número um do Brasil era Juscelino. Tivemos uma relação bem próxima neste período. Em 1963, numa reunião em Vinhedo, São Paulo, tive a honra de lançá-lo como candidato a presidente. Morreu, em 1976, com meu telefone no bolso. Ele ia ao Rio de Janeiro, ofereci meu avião, mas preferiu ir de carro, acabou morrendo num desastre na estrada.

O senhor é reconhecidamente bem relacionado. É verdade que tem mais de 13 mil telefones de poderosos em sua agenda?
Talvez 13,5 mil (risos). Subiu um bocadinho.

Quem está na sua agenda?
Ter o telefone não quer dizer nada, o importante é ser atendido por essas pessoas.

Quem atende ao senhor?
Aí é segredo, só eles que podem contar, não é mesmo (risos)?

Como construiu toda essa rede?
Começou quando fiz o Fórum de Salzburg (Áustria), em 1976, primeira abertura do Brasil em termos de comércio internacional. Foram 3 mil pessoas representativas do mundo todo. De lá para cá foram diversos outros eventos, além da própria Brasilinvest, que tem sócios em 30 países. O mais importante é ligar para sugerir e não para pedir, essa é a única maneira de se manter uma grande rede de bons contatos.

Veja fotos do livro "JK A Coragem da Ambição"

Perfil

Começo: Mario Garnero, hoje com 73 anos, começou a trabalhar cedo, com 17, construindo casas em São Paulo. A intenção dele é se aposentar aos 93. Até hoje mantém um ritmo forte de trabalho: 12 horas por dia.

Peculiaridades
: Garnero gosta de apelidar quem o cerca. Politicamente incorreto, quando quer falar com o xeque Salman Al-Khalifa (fortuna pessoal de US$ 15 bilhões), pede à secretária, de origem oriental: "Japoronguinha, liga pro milk-shake!". George W. Bush é chamado de Bushinho.

Conhecido
: ele é amigo de George Bush (o pai) e troca confidências com o lorde Jacob Rothschild.

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