quarta-feira, 18 de maio de 2011

"Espólio de um Déspota": no ES policiais investigados têm mais bens do que o salário permite


Luiz Neves e Márcio Braga têm patrimônio
incompatível com as remunerações mensais
de cerca de R$ 15 mil que recebem do Estado
foto: Flávia Fernandes / Marcos Fernandez
A investigação que levou à prisão dois delegados, quatro investigadores e um escrivão da Divisão Patrimonial da Polícia Civil, acusados de roubo e extorsão para recebimento de propina, revela que os policiais têm bens e despesas incompatíveis com suas remunerações mensais de servidores públicos. Um dos delegados teria admitido ser proprietário de dois apartamentos de frente para o mar, na Praia de Camburi, em Vitória.

"Há policiais com prestações mensais de R$ 6 mil, bem mais do que recebem mensalmente", diz uma fonte da Corregedoria de Polícia. Segundo essa fonte, os delegados Luis Neves Paula Neto e Marcio José Pedrosa Braga teriam salários de aproximadamente R$ 15 mil.

Além do delegado que possui dois apartamentos na Avenida Dante Michelini, em Camburi, outro policial disse pagar um financiamento de R$ 3,9 mil mensais, embora receba R$ 3,5 mil.

Será pedida à Justiça a quebra dos sigilos fiscal e bancário dos policiais da Divisão Patrimonial, que respondem a sete inquéritos na Corregedoria de Polícia Civil, um deles tendo como vítimas J. F.R., que alegou ter sofrido até ameaças de morte para pagar propina de R$ 25 mil para livrar-se de um pedido de prorrogação de prisão temporária por acusação de estelionato.

J.F.R. diz que os policiais levaram de sua casa, no dia 25 de agosto de 2010, TV, DVD, um enxoval de bebê e uma caminhonete que seria de propriedade de P., um comerciante que também teria pago propina de R$ 20 mil para livrar-se de uma acusação de receptação - segundo a Corregedoria, inexistente.

J.F.R. seria alguém que passava informações de bandidos para a polícia e da polícia para bandidos. "Tudo indica que teria havido um rompimento de acordo, e aí ele passou a ser pressionado", diz uma fonte da Corregedoria.

Esse rompimento teria feito policiais da Patrimonial prenderem J. por uso de identidade falsa, embora tenham lhe devolvido o documento, que, na verdade, seria autêntico.

Fonte da Corregedoria diz que um médico viciado em drogas, que conhecia J. e os policiais, foi usado para uma denúncia de suposta ameaça praticada por J.. "Quando descobriram que estavam sendo investigados pela Corregedoria, os policiais teriam acrescentado, à caneta, no mesmo boletim de ocorrência, uma denúncia de extorsão praticada por J. na delegacia". Na ocasião, o delegado Luiz Neves o prendeu em flagrante.

Ontem, os advogados dos delegados e do policial Fábio Malheiros, respectivamente, Adão Rosa e Vinícius Canal, pediram à Justiça a revogação das prisões. 

Outras 13 vítimas fizeram denúncia de torturas 
Além da denúncia de extorsão, feita por J.F.R., pesa contra os delegados Marcio Braga e Luiz Neves, e também sobre demais policiais da Divisão de Crimes contra o Patrimônio, denúncias de outras 13 vítimas, em seis inquéritos que investigam até tortura praticada dentro da delegacia.

A maioria dos casos chegou à Corregedoria encaminhada pelo Ministério Público. E a causa dos espancamentos e tortura seriam, segundo a própria polícia, pressão exercida pelos policiais sobre as vítimas, para recebimento de propina.

As primeiras denúncias chegaram à Corregedoria da Polícia Civil em 2008, mas os inquéritos ficaram "na gaveta" até o final de fevereiro deste ano, quando o órgão foi procurado por J. para fazer as denúncias sobre extorsão, roubo e ameaça de morte.

Um dos casos mais graves envolve duas vítimas, acusadas de roubo, em maio de 2010. Uma delas relata que policiais colocaram um plástico em sua cabeça e até enfiaram o cabo da palmatória em seu ânus.

Devido a esses inquéritos, não está descartada a possibilidadede outros policiais da Patrimonial, além de Davi Carvalho Filho, Hilario Borges, Marcos Ermani, Fabio Malheiros e Alex Almeida, e dos delegados Luiz Neves e Marcio Braga - que já estão presos - serem indiciados pela Corregedoria de Polícia. 

Pagamento de propina em delegacia revelado em áudio
Um áudio obtido com exclusividade pela Rádio CBN revela que, no dia 1º de abril deste ano, J.F.R. teria ido à Delegacia Patrimonial, na Serra, a fim de entregar R$ 600,00 a um policial civil. Nesse mesmo dia, J. recebeu voz de prisão do delegado Luiz Neves por crime de suborno.
 
No áudio, J. não fala o motivo de ter ido à Patrimonial, apenas afirma que precisa entregar esse dinheiro ao policial, pois estava sendo pressionado por ele. O policial tinha ido até a casa de sua família, deixando a mãe e a irmã nervosas com a situação. O delegado, então, explica que o motivo da ida do policial à residência de J. foi para entregar uma intimação para ele comparecer à Delegacia de Defraudações.

A conversa entre eles esquenta quando Luiz Neves pergunta quem havia mandando J. ir até a delegacia pagar suborno a um policial e que as notas de dinheiro que ele portava estavam todas numeradas. "É nota marcada né?", diz o delegado, no áudio. J. responde: "Meu Deus do Céu. Eu vou ali no posto e troco as notas. Eu não preciso armar nada pra ninguém".

Ao relatar o fato no inquérito, J. conta que, em certo momento, o delegado afirma que sabia que ele estava ali a mando da Corregedoria e que tinha conhecimento de todos os lugares que ele frequentava. Após sair da delegacia, sem deixar o dinheiro para o policial, ele conta que recebeu uma ligação, de um número desconhecido, onde uma pessoa dizia que era para ele voltar à Patrimonial que estava "tudo tranquilo". Ao retornar, J. conta que o delegado montou o flagrante de suborno e deu voz de prisão. (Letícia Cardoso) 

Advogado pode ser indiciado por negociar propina 
A Polícia Civil promete indiciar criminalmente o advogado Jorge Teixeira Nader, por intermediação do pagamento de propina, de parte de J.F.R., aos policiais da Divisão Patrimonial. O advogado será enquadrado por crime de corrupção. No inquérito que apura a extorsão, uma testemunha diz que Nader exercia pressão para receber o dinheiro a fim de "pagar os policiais", havendo inclusive suposta ameaça ao neto dela. 

Herkenhoff se cala sobre "engavetamento
foto: Fábio Vicentini
O secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, Henrique Herkenhoff, não se manifestou sobre o suposto "engavetamento" de inquéritos contra policiais da Divisão Patrimonial na Corregedoria da Polícia Civil, mas deixou clara a determinação de dar à unidade uma melhor estrutura. "Oito anos atrás as polícias e a secretaria estavam sucateadas, e, nesse período, um trabalho muito grande foi feito. Mas a Corregedoria ainda estava muito desestruturada. Já melhoramos o efetivo e vamos melhorar mais", promete ele.

Caso 1 - Um garoto de 16 anos relata que estava fumando crack, em Vila Velha, quando foi abordado por agentes da Patrimonial. Ele disse que era apenas usuário de drogas, mas foi agredido com um tapa no ouvido. A abordagem e encaminhamento em caso semelhante seria da alçada da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes (Deten).

Caso 2 - Dois rapazes presos por roubo de carro no DPJ de Vila Velha relatam que foram tirados da unidade por policiais. Eles foram levados até a Delegacia Patrimonial, na Serra. Um deles contou ter sido sufocado com saco plástico e violentado com o uso do cabo da palmatória, envolto em um preservativo.

Caso 3 - Rapazes relatam ter sido vítimas de espancamento e tentativa de extorsão após o roubo de um caixa eletrônico em Guarapari. Abordados pela equipe da Patrimonial, os dois teriam sido levados até a Serra. Chegando lá, receberam a proposta de pagar R$ 150 mil em troca da liberdade e foram espancados.

Caso 4 - Um comerciante, de 35 anos, dono de uma loja de eletrônicos, pagou R$ 20 mil para não ser detido por policiais da Patrimonial.

Caso 5 - Um rapaz foi detido em Vila Velha no ano passado por policiais da Patrimonial, por porte ilegal de armas. Espancado, ele ficou detido por 45 dias. Após sair, foi até a Corregedoria denunciar o policial. Pressionado, em abril deste ano voltou à Corregedoria e pediu para que a denúncia fosse arquivada.

Caso 6 - No dia 9 de setembro de 2009, três rapazes foram abordados num posto de combustível, em Vila Velha, por três policiais civis e pelo delegado Márcio Braga. Os três foram colocados em duas viaturas descaracterizadas. Da casa dos rapazes, os policiais levaram roupas, perfumes, utensílios domésticos, joias e até comida. Os três foram levados para a delegacia Patrimonial, um deles foi espancado. Depois de negociar o pagamento de propina, o esse rapaz foi solto, mas, meses depois, os mesmos policiais armaram um flagrante contra ele por tráfico de drogas.


(Com informações do jornal A Gazeta)

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