sábado, 30 de abril de 2011

Entre o velho e o novo: Política do Espírito Santo à base do ‘muito cacique e pouco índio’

PAPO DE REPÓRTER, por Nerter Samora e Renata Oliveira  - www.seculodiario.com.br

As movimentações da classe política apontam para uma divisão do mercado entre o governador Renato Casagrande (PSB) e o ex-governador Paulo Hartung. O Papo de Repórter analisa as diferenças de atuações e a importância das eleições 2012 neste cenário dividido.

Renata:
– A classe política capixaba vive um momento de muita instabilidade nesta composição do que o Antônio Carlos chamou de “a nova árvore política do Espírito Santo”, não acha? Nessa tensão na ocupação dos espaços políticos, sinto que há uma indefinição dos passos a serem tomadas diante de um cenário que tem dois importantes líderes: o governador Renato Casagrande e o ex-governador Paulo Hartung. Nenhum dos dois se coloca como pêndulo da balança, aliás, estão fugindo do assunto, mas a movimentação parece ser silenciosa, mas intensa, tanto de um quanto do outro.

Nerter: – E isso se intensificou depois do retorno do ex-governador Paulo Hartung ao Estado. Embora ainda não tenha falando nenhuma palavra sobre seu futuro político, ele se tornou um centro de atração das forças políticas. Mas esse campo de atração não parece ser único, como antes. Agora o cenário político está dividido em dois polos de atração, e Casagrande também tem mostrado sua importância na composição das alianças políticas, sobretudo porque estamos em um ano pré-eleitoral. Sinto que depois do retorno de Hartung, na minha opinião, providencialmente às vésperas de Casagrande completar 100 dias de governo, ocorreu uma mudança de postura da classe política. Talvez não do jeito que Hartung pretendia, afinal, os agentes políticos, apesar de continuarem dispensando ao ex-governador um deferimento, muitas vezes, exagerado, continuam se movimentando na busca de espaços. Por outro lado, Casagrande vem buscando construir seu governo estabelecendo novas formas de relação política, o que as lideranças e os partidos não parecem ter entendido muito bem, ou não estão acostumados a elas.

Renata: – É verdade. Neste ponto eu chamaria atenção para dois episódios emblemáticos. A mídia ainda fiel ao ex-governador até tentou desqualificar o pleito, mas o fato de Casagrande ter conseguido desembaraçar o caso do aeroporto de Vitória é simbólico. Isso porque essa era para ser a grande obra do governo Paulo Hartung, e que ele não conseguiu realizar, por conta das irregularidades encontradas nos contratos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O outro acontecimento simbólico, na minha opinião, foi a nomeação dos investigadores de polícia. Hartung sempre evitou criar gastos permanentes, até para não comprometer seu projeto político, voltado para a iniciativa privada. Ao fazer a nomeação, Casagrande mostrou compromisso com os serviços que a população realmente cobra do governo e ainda mais em uma área crítica do governo de Hartung, que foi a segurança. Isso porque a sensação de impunidade, causada pela demora na resolução dos crimes, por falta de investigação, é uma das causas da violência galopante no Espírito Santo. Não foi à toa que o ex-secretário de Segurança de Hartung, deputado Rodney Miranda (DEM), meteu o bedelho no projeto, apresentando uma emenda para evitar enxurrada de recursos até a publicação da lei. A emenda é válida e acertada, ma o fato de Rodney tê-la apresentado é que é simbólico, entende?

Nerter: – É isso que estou falando, quando digo que Casagrande apresentou um novo jeito de dialogar com a classe política. Ele tem deixado claro que quer atender às demandas deixadas de lado no governo passado. Para isso, terá que passar por cima de alguns interesses. A classe política acostumada ao toma lá, dá cá de Hartung se ressente. Porque esse tipo de ação não garante os privilégios que alguns grupos tinham no governo passado. Nomear servidor, fazer concurso público, não atende às bases dos deputados estaduais, por exemplo, e ainda fecha as portas para as trocas de cargos por apoio. Não estou dizendo que Casagrande é o melhor do mundo. Ainda há muitos cargos para serem negociados no governo e a nomeação de DTs para o Iases, mesmo com mais de 400 concursados prontos para assumir os cargos, mostra que ainda há muito o que se corrigir no governo. Mas é uma nova dinâmica.

Renata: – Por isso mesmo um grupo de deputados tenta se aproximar de Paulo Hartung para recompor o arranjo político vigente durante seu governo. Silenciosamente, como ele gosta de agir, tem conversado com as lideranças em busca de fortalecimento. Para isso trabalha no foco das insatisfações a Assembleia Legislativa, que por conta da falta de condições de negociar cargos com o governo, sobretudo depois do corte de comissionados na Casa, quer recompor o sistema antigo. Para isso, os deputados se aproximam de Hartung, ao mesmo tempo em que pressionam Casagrande. Para os deputados, é interessante porque tem uma arma para negociar, mesmo tendo vivido momentos de terror, com o controle rígido de Hartung. Preferem manter o sistema de troca a buscar o diálogo com o novo governador. Diálogo esse também que é dificultado pela intransigência em alguns momentos do socialista, não é?

Nerter: – É que Casagrande se acostumou à dinâmica do PSB, que vivia em função dele e agora vem implantando essa mesma linha dura de ouvir e não agir, que adotava no partido no governo do Estado. Isso pode complicar sua vida, já que está lidando com uma fauna bem vasta de partidos, que o apoiaram na eleição passada. Os dois, Casagrande e Hartung, têm formas diferentes de lidar com política. Hartung aposta no arranjo e na linha dura. Casagrande, ao meu ver, quer ganhar respaldo popular para evitar rebeldias na classe política. Vejo que o caminho escolhido por Casagrande é mais difícil de ser alcançado no Estado, devido aos inúmeros gargalos deixados por Paulo Hartung. Gargalos que não serão resolvidos nem a médio nem muito menos a curto prazo.

Renata: – O termômetro dessa disputa de poder é sem dúvida a eleição do próximo ano. O PMDB já deu seu recado, mostrando que não vai admitir que Casagrande tome quadros do partido para se fortalecer. O esperneio, na minha opinião, é desproporcional, até porque esse não é o perfil de Casagrande e nem é a linha de atuação do PSB. Agora, com certeza, tem muita liderança que nada de acordo com a correnteza e os socialistas não vão evitar que prefeitos ou outros quadros de relevância busquem no ninho da pomba um abrigo para a disputa do próximo ano. Até porque o partido sabe que, para garantir a reeleição de Renato Casagrande, precisará se fortalecer na eleição do próximo ano, e isso significa aumentar o número de prefeitos e a representatividade nas câmaras de vereadores.

Nerter: – E olha mais um elemento aí. O esperneio vem do PMDB, não um partido, mas um instrumento político a serviço de Paulo Hartung. O problema para o ex-governador está justamente em manter sua hegemonia dentro do partido. Agora, com o crescimento de Rose de Freitas, chegando à vice-presidência da Câmara, Hartung está vendo seu grupo, ou melhor, seu aliado Lelo Coimbra, perder o controle da sigla. Se antes ele era a voz que ecoava sozinha dentro do partido, repassando as orientações de Hartung, agora essa voz encontra resistência em Rose de Freitas, que, de alijada nos debates internos, agora se levanta e pode levar com ela os históricos. Sem o controle do PMDB e sem mandato, Hartung terá problemas para garantir seu projeto político.

Renata: – Como a nova árvore está começando a ganhar entroncamento agora, as lideranças políticas buscam seu posicionamento nos melhores galhos. Quem chegará à copa da árvore, se será Hartung ou Casagrande, os posicionamentos nos galhos mais baixos é que vão determinar.

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