domingo, 19 de junho de 2011

ES: A história ameaçada. "Casa da Memória" do Espírito Santo, Instituto Histórico e Geográfico está abandonado pelo poder público

Vitor Vogas
vvogas@redegazeta.com.br


foto: Carlos Alberto Silva
aulo Stuck Morães, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES)
Paulo Stuck Morães, vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES)
No mesmo recinto, reúnem-se alguns dos mais ilustres intelectuais capixabas, como o jurista João Batista Herkenhoff e os historiadores Gabriel Bittencourt, Luiz Guilherme Santos Neves e Fernando Achiamé, só para ficar em alguns exemplos. Todos esperam o início da solenidade de posse da nova diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES). Mas, quando o presidente reeleito, o juiz Getúlio Neves, tenta começar seu discurso, o microfone falha e ele fala à capela. Passa-se então à execução da Hino do Espírito Santo, mas ninguém canta um só verso porque não se ouve a música, reproduzida por um improvisado aparelho portátil de som.

Transcorrida na última quinta-feira, a cena traduz perfeitamente o paradoxo enfrentado hoje pelo IHGES: a instituição cultural mais antiga do Estado, dedicada à preservação de nossa memória e formada por expoentes da cultura capixaba, se mantém de pé a duras penas. A importância do instituto contrasta com a precariedade do espaço físico, em um modesto edifício no Parque Moscoso, e com a escassez de recursos públicos que o ajudem a seguir em atividade.

Atividade, aliás, que remonta a 1916, ano em que o IHGES foi fundado, no antigo prédio que abrigava a Assembleia Legislativa, na Cidade Alta. Conforme seu estatuto, "trata-se de uma associação sem fins lucrativos, de caráter cultural e científico, tendo por escopo o estudo da história, geografia e ciências afins, especialmente no que concerne ao Estado do Espírito Santo".

Apesar das dificuldades, o IHGES mantém arquivo e biblioteca especializados em assuntos capixabas, promove eventos, edita uma revista anual para divulgar as atividades e trabalhos dos seus associados, além de patrocinar pesquisas científicas que visem a incentivar o conhecimento do Espírito Santo.

Para se sustentar, a entidade hoje depende, fundamentalmente, das contribuições anuais ou eventuais dos próprios associados. Também faz uma "renda extra" alugando um dos dois apartamentos que lhe cabem no Edifício Domingos Martins. O estatuto também prevê a possibilidade de o IHGES receber doações legais, mas o repasse de recursos públicos foi diminuindo nos últimos anos até cessar de vez - logicamente, para indignação dos ilustres.

Perda da memória

foto: Carlos Alberto Silva
João Batista Herkenhoff, jurista e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES).
João Batista Herkenhoff, jurista e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES).

O historiador Gabriel Bittencourt, elevado a presidente de honra do instituto, afirma que este tinha um convênio com a Prefeitura de Vitória, o qual, porém, não foi renovado nos últimos dois anos. Até o ano passado, um ou outro deputado também contemplava o IHGES com emendas ao orçamento estadual - uma delas, por exemplo, de Cláudio Vereza (PT), garantiu o aparelho de ar-condicionado. Mas, este ano, nem isso. "O instituto nunca foi oficial, mas, na medida em que é a Casa da Memória, tinha um reconhecimento bem maior das autoridades", lamenta Bittencourt.

O IHGES reúne hoje 2,6 mil títulos, totalizando 4,5 mil volumes - 200 dos quais precisam ser restaurados. Mas o acervo, calcula o presidente de honra, está muito aquém do que poderia ser, em função da limitação de espaço. "Precisamos urgentemente de uma sede condigna. Poderíamos ter mais de 40 mil volumes à disposição. Já recebemos uma doação de 35 mil livros e tivemos que repassar quase tudo."

Para não fechar as portas, a nova gestão prepara projetos visando a firmar convênios com o governo estadual e com entidades privadas. Um deles pleiteia a nova sede, numa das casas da Cidade Alta, que poderia ser restaurada. Outro seria para dotar a biblioteca de novos equipamentos de informática. Também está em elaboração um projeto visando à restauração e conservação do acervo bibliográfico e documental, por meio de edital da Secretaria de Cultura.

Todo o acervo fica numa sala de 40 m2
O historiador Paulo Stuck Moraes, vice-presidente do instituto, mostra com orgulho o acervo riquíssimo, que inclui publicações raras, tanto acadêmicas como jornalísticas. Entre as relíquias bibliográficas está a primeira edição do jornal "Correio da Vitória" - para alguns, o primeiro periódico a circular em terras capixabas (outros consideram "O Estafeta"). O acervo só não é maior por falta de espaço: fica espremido em uma sala de não mais que 40m2, acanhada, mas ainda frequentada por estudantes e pesquisadores. "O instituto tem sido um guardião da nossa história", diz Stuck.

Herkenhoff: um serviço à memória
O jurista João Batista Herkenhoff é um dos mais árduos defensores do IHGES. "Por suas tradições, pelos serviços que prestou e presta à memória cívica do Espírito Santo, o IHGES merece apoio eficaz e amplo dos poderes públicos. Os membros do instituto têm produzido pesquisas importantíssimas que salvaguardam a história capixaba, opondo-se à voragem impiedosa do tempo. Numa época em que tanto se valoriza o ter (isto é, o material, o transitório), o IHGES celebra o ser (isto é, o espiritual, o eterno)." Outros intelectuais subscrevem essa opinião, como o cientista político João Gualberto Vasconcellos. "É um lugar onde é preservada nossa história e a cultura de cada região. Não fosse esse instituto e a própria academia, nós não teríamos memória de quase nada. Um governo que valoriza a memória deveria valorizar esse tipo de instituição."

foto: Carlos Alberto Silva
Edições antigas do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES)
Edições antigas do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES)
Quase um século de história
Associados
  - Ao longo de seus 95 anos de existência, o IHGES já teve 1,1 mil membros efetivos. Entre eles, ilustres como o primeiro prefeito de Vitória, Ceciliano Abel de Almeida, o historiador Renato Pacheco e o cronista Miguel Deps Tallon. Hoje, estão entre os sócios o desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama, o secretário de Estado de Segurança Pública, Henrique Herkenhoff, o escritor Francisco Aurélio Ribeiro e o presidente do Bandes, Guerino Balestrassi.

No vermelho - A despesa média de custeio para manter a entidade é de R$ 3 mil por mês. Os cerca de 200 associados devem pagar uma semestralidade de R$ 75,00, mas só cerca de 160 membros pagaram a do primeiro semestre, o que corresponde a uma renda de R$ 2 mil por mês.

Apoio
- Pelas contas do historiador Fernando Achiamé, uma subvenção anual de R$ 160 mil, por parte do governo estadual, seria suficiente para manter o IHGES em atividade. Em contrapartida, os associados prestariam serviços como formação de professores de História e Geografia.

Revista
- A Revista do IHGES é anual, mas a edição de 1949 acabou não sendo publicada à época. Por puro respeito à história, a edição agora foi publicada na íntegra, juntamente com a deste ano. A impressão foi custeada pelo presidente do instituto, Getúlio Neves.

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