sábado, 21 de maio de 2011

" Espólio de um Déspota ": O ES, segundo Estado que MAIS MATA, é o que MENOS INVESTIGA.

José Rabelo
Foto capa: Gustavo Louzada - http://www.seculodiario.com.br/


Na opinião do promotor Paulo Panaro Figueira Filho (foto), uma das explicações para as altas de taxas de criminalidade no Espírito Santo, que colocam o Estado como o segundo mais violento do País, pode estar nas pilhas de inquéritos de homicídios inconclusos, que abarrotam uma das salas da Promotoria Criminal de Vitória, no Centro da Capital capixaba.

Panaro, que soma quase duas décadas de experiência como promotor de Justiça – 17 deles no interior e três em Vitória -, foi designado, em setembro do ano passado, para coordenar a chamada “Força Tarefa” do Ministério Público Estadual (MPE) - encarregada de dar conta da Meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp). Reza a meta que os Estados terão que concluir todos os inquéritos de homicídios, consumados e tentados, instaurados até 31 de dezembro de 2007, até o final de dezembro deste ano.

No final do ano passado, quando o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgou um levantamento prévio dos inquéritos “parados” de homicídios de cada um dos estados da Federação, Panaro pôde ter uma dimensão mais precisa do tamanho do desafio que tinha pela frente. No levantamento preliminar do CNMP, o Espírito Santo já despontava como líder absoluto, com cerca de 14 mil do total de mais de 60 mil inquéritos que permaneciam “esquecidos” nas prateleiras das delegacias de todo o país.
Panaro não partiu sozinho para o desafio de “desenrolar” os 14 mil inquéritos, contou com a ajuda de outros 22 promotores, “todos voluntários”, acentua, para auxiliá-lo na árdua tarefa, iniciada em outubro do ano passado.

Na medida em que foi tomando pé da situação, Panaro percebeu que o bicho tinha bem mais do que sete cabeças. Como primeira medida o promotor solicitou um levantamento para descobrir quantos inquéritos, de fato, estavam estacionados nas delegacias.

O primeiro número, cerca de 14 mil, deixou Panaro surpreso e ao mesmo tempo intrigado. Esmiuçando os números, chegou-se a 11.790 inquéritos de homicídios consumados e outros 2.124 de tentados, isso no final de novembro de 2010.

De cara, Panaro notou uma discrepância entre o número de homicídios tentados e consumados. “Investiguei a informação e descobri que os homicídios tentados, praticados na Grande Vitória, não eram investigados pela DHPP [Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa], como acontece com os consumados, e sim pelas delegacias distritais”. Foi então que o promotor entendeu o motivo da acentuada diferença: estavam fora da conta as informações de homicídios tentados das delegacias distritais da Grande Vitória.

De acordo com o promotor, até o início de maio, com base nas novas informações, ainda parciais, dos Departamentos de Polícia Judiciária (DPJs) dos municípios da Grande Vitória, o número total de inquéritos “parados” já subiu para a casa dos 17 mil. “Esse levantamento nas distritais, dos inquéritos de homicídios tentados, ainda está em andamento. Acredito que até o final de maio, quando termina o prazo para a Polícia Civil nos enviar os dados, o número total de inquéritos no Espírito Santo chegue a 20 mil”, estima.
Para acompanhar o desempenho dos Estados na tarefa de liquidar os inquéritos inconclusos até dezembro de 2007, o site do CNMP (http://aplicativos.cnmp.gov.br/inqueritometro/#) criou o inqueritômetro. As informações que são enviadas pelas promotorias estaduais são lançadas em um gráfico, que ilustra a situação de cada Estado. Até o fechamento desta reportagem (21/05), o CNMP ainda não havia atualizados os dados do Espírito Santo.

Considerando os números atuais do MPE (17 mil inquéritos), o Espírito Santo lideraria com folga a lista dos Estados com a maior taxa de inquéritos inconclusos. São 486 inquéritos “parados” para cada grupo de 100 mil habitantes. O Rio de Janeiro, com 60 mil inquéritos, aparece em segundo, com 375/100 mil; Pernambuco, 130; Alagoas, 126; e Minas Gerais, 102, só para citar os primeiros.

Para se ter uma ideia da gravidade dos números capixabas (486 inquéritos parados por 100 mil habitantes), São Paulo ostenta a incrível taxa de 3,4 inquéritos para cada 100 mil habitantes. A alta resolução de homicídios no Estado paulista explica também porque São Paulo conseguiu reduzir a taxa de homicídio para um dígito, conforme recomenda a Organização Mundial de Saúde (até 10/100 mil).

No Espírito Santo, porém, a situação vai de mal a pior. Até o dia 5 de maio último, a “Força Tarefa” comandada por Panaro já havia recebido o total de 12.704 inquéritos dos 17 mil pendentes, e passado o pente fino em 3.616. Depois de analisados, 3.244 inquéritos (90%) foram devolvidos aos DPJs para que fossem realizadas novas diligências; oito foram encaminhados para a Delegacia do Adolescente em Conflito com a Lei (Deacle), pois estavam equivocadamente nos DPJs; um inquérito era de latrocínio, que não entra na Meta 2; 48 foram denunciados pelos promotores; 307 foram arquivados por diversas razões; quatro por prescrição (mais de 20 anos parado) e outros quatro se enquadraram na categoria outros.

Mas o número mais impressionante o promotor guardou para o final da entrevista. Segundo Panaro, do total de inquéritos analisados pela Força Tarefa, apenas seis, pasmem, ou 0,16% do total, estavam completos. Na opinião do promotor, esse número evidencia o abandono da Segurança Pública no Estado. “A verdade deve ser dita: segurança pública não dá voto. Penitenciária não dá voto, não dá palanque. Agora, estrada dá”.

Panaro, que antes de se tornar promotor trabalhou 14 anos como perito criminal, diz do alto de sua experiência de 17 anos como promotor criminal do júri, que a grande maioria dos inquéritos de homicídio não é solucionada no Espírito Santo. “Sendo bastante generoso, 75% dos inquéritos que a polícia consegue concluir são relativos à prisão em flagrante. Os inquéritos concluídos a partir de investigação policial não passam de 25%. Isso eu posso afirmar com base na minha experiência no interior e na Grande Vitória”, afirma.

A estimativa amparada na experiência do promotor é de fato generosa quando comparada aos dados científicos publicados recentemente no Mapa da Violência 2011, pelo Instituto Sangari. De acordo com o coordenador do estudo, Júlio Jacobo Waiselfisz, dos 50 mil homicídios registrados por ano no Brasil, apenas quatro mil ou 8% têm autor identificado e preso. Até dezembro de 2007, a estimativa é de que existam mais de 100 mil homicídios sem solução empoeirando nas prateleiras de uma delegacia qualquer deste Brasil.

Na maioria dos Estados em que os inquéritos foram “esquecidos”, prevalece uma combinação de fatores que explica a ineficácia das instituições: falta de investimento em infraestrutura, inteligência, logística, pessoal, além da burocracia que torna os processos morosos. É flagrante também a falta de sintonia entre a Polícia Civil, Promotoria e Justiça.

Para ilustrar na prática essas deficientes, Paulo Panaro comentou sobre um inquérito que só trazia o despacho do delegado e o boletim de ocorrência do homicídio. Nada mais. “Eu tenho visto tantos absurdos desde que passei a analisar estes inquéritos que me deixaram arrepiado. Eu peguei inquéritos, e não é um só são vários, de crimes que aconteceram hoje, vamos dizer, e a portaria instaurando o inquérito aconteceu 10, 12 ou até 15 anos depois. Peguei outros inquéritos em que o crime aconteceu hoje, a portaria foi instaurada hoje e o inquérito permaneceu parado por mais de 10 anos. Como não vai haver impunidade assim?

A impunidade, opina o promotor, é o principal fator da violência. Mas para se chegar a índices tão altos de violência, há diversos outros fatores que contribuem para a impunidade. Ele diz que a recente aprovação da mini-reforma do Código de Processo Penal (CPP) é um retrocesso. “O Brasil caminha por uma trilha equivocada. Enquanto os outros países trabalham com uma legislação mais rígida, com tolerância zero, nós tornamos as nossas leis mais brandas. O Estado brasileiro só sabe fazer leis e quando as faz, faz mal. Essa mudança, na verdade, foi feita para resolver o problema na superlotação carcerária. Essa mudança, literalmente, acabou de decretar o fim da prisão preventiva no Brasil”, sentencia.

Entre outras mudanças no CPP, os autores de crimes com pena de até quatro anos, se pagarem fiança, se livram da prisão. Como as modificações são retroativas, mais de 50 mil pessoas que estão presas podem ganhar a liberdade a partir do dia 5 de julho, quando a novo CPP passa a vigorar.

A Associação dos Magistrados do Brasil, a exemplo de Panaro, considerou as mudanças um retrocesso. A instituição alerta que o novo CPP vai aumentar a sensação de impunidade.

“Em termos práticos, o País andou para trás. Vamos favorecer ainda mais a impunidade. Na minha opinião, é preciso parar de favorecer os direitos individuais em detrimento dos coletivos. Enquanto prevalecer o contrário, a sociedade corre perigo”, adverte.

O coordenador da Força Tarefa garantiu que sua equipe vai cumprir o prazo estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que se encerra em 31 de dezembro deste ano. Ele esclareceu, porém, que o trabalho de investigação depende da polícia, e não do Ministério Público. “Só vamos conseguir finalizar nosso trabalho se a polícia fizer a parte dela”, ressaltou Panaro.

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