domingo, 19 de junho de 2011

ES: Secretário defende perdão aos presos para esvaziar cadeias. Até dezembro deste ano, o número de detentos nos presídios capixabas deve crescer 16,06%

foto: Ricardo Medeiros
L., presidiária de Tucum entrevistada sobre crimes sem violência. Ela foi presa acusada de roubar um celular
Quando ela se arrependeu, já era tarde demais

Ela trabalhava havia apenas oito dias numa empresa de serviços gerais quando viu sua vida virar de cabeça para baixo, após tomar a decisão errada. Joana (nome fictício) limpava um dos banheiros da repartição pública onde atuava, em Vitória, quando viu, sobre a bancada da pia, um telefone celular. Pegou o aparelho, desligou-o e o entregou a um amigo. Quando lhe perguntaram sobre o telefone, inicialmente, disse que não sabia de nada, mas, logo depois, arrependida, contou o que havia feito. Já era tarde. Alguém chamou a polícia e, desde o dia 1º deste mês, acusada de furto, ela divide uma cela com outras 15 pessoas no Presídio Feminino de Tucum, em Cariacica, onde vivem 348 internas. Mãe de dois filhos pequenos, Joana chora com saudades da família e de vergonha do que fez. "Não sei por que fiz aquilo. Eu nunca fui presa, sou de uma família honesta. Não sou bandida", diz ela, implorando por sua liberdade.
Claudia Feliz
cfeliz@redegazeta.com.br


A população carcerária do Espírito Santo deve crescer 16,06% até dezembro deste ano, chegando a 14.184 presos nas 35 unidades do Estado. E esse crescimento causa maior preocupação pelo fato de haver um desequilíbrio considerável entre os que entram e os que saem do sistema a cada mês.

Somente no período de janeiro a abril deste ano, os presídios receberam 3.514 detentos, mas deles só saíram 2.353 internos, restando 1.161 - número que equivaleria à criação de vagas em mais dois presídios e exigiria a contratação de quase 200 servidores.

Você concorda com o perdão para crimes sem uso de violência?

"A conta não fecha nunca", diz o secretário estadual de Justiça, Ângelo Roncalli, referindo-se ao permanente desequilíbrio entre os que chegam e os que saem do sistema prisional. E é o mesmo Roncalli quem dá um receita para pôr fim a essa realidade que é, no mínimo, polêmica: "Perdão para presos que cumprem penas por terem cometido crimes de baixo potencial ofensivo (sem uso de violência)".

Essas pessoas, que teriam praticado furto simples, por exemplo, seriam postas em prisão domiciliar, segundo a proposta de Roncalli. Entre janeiro e abril deste ano, 84% dos que ingressaram nas unidades da Macrorregião Metropolitana (Aracruz, Serra, Guarapari, Cariacica, Vila Velha, Viana, Linhares e Marataízes) foram presos por furto.

Também poderia se beneficiar do "perdão", segundo o secretário de Justiça, boa parte dos 1.739 detentos que hoje cumprem pena no sistema semiaberto - os presos que saem das celas todos os dias, para o trabalho, e só retornam no início da noite às unidades prisionais.

Análise
Roncalli faz questão de explicar que as liberações deveriam obedecer a critérios. "Não é só abrir porteira. Deve-se analisar caso a caso", diz ele, deixando claro que a medida exigiria a aprovação de uma lei.

Hoje, há previsão legal de indulto, concedido de forma coletiva, durante sete dias, no período natalino, e também de um perdão individual, que só pode ser concedido pela presidência da República.

Mas o próprio Roncalli, que já dirigiu o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), admite nunca ter sabido de nem um caso sequer de perdão concedido. Uma vez perdoados, no esquema proposto por Roncalli, os detentos deveriam ser inseridas pelo Estado no meio social, com oportunidades de trabalho e capacitação profissional.

Segundo o secretário, a Suprema Corte americana vai por em liberdade 30 mil presos da Califórnia, com o objetivo de equilibrar o sistema prisional.

"Essa é uma conta que não fecha nunca. Mas não é só abrir porteira. Deve-se analisar caso a caso", Ângelo Roncalli, secretário Estadual de Justiça

Juiz teme que medida estimule a criminalidade
Juiz da Vara de Execuções Penais, Carlos Eduardo Lemos diz que a lei atual garante a aplicação de penas alternativas muito melhores do que a prisão para casos de furto simples. Mas lembra que o Executivo estadual "não investiu nada, até agora", nesse sentido.

Em quatro meses

3.514  detentos -
É o número de pessoas que entraram nos presídios do Estado de janeiro a abril deste ano. Pouco mais de 2,3 mil deixaram as unidades prisionais, no mesmo período.
"Não precisamos de nova lei. Se o juiz deixou o autor do furto preso, algo mais há no caso, como o fato de o indivíduo ser reincidente contumaz ou, ainda, ter um perfil criminológico realmente perigoso. Nesses dois exemplos, como poderíamos simplesmente perdoar o criminoso? Não faz sentido. Seria alimentar impunidade e estimular a criminalidade", argumenta.

Lemos diz que, no caso de presos provisórios por furto, a prisão só se justifica, basicamente, se houver dúvida quanto à identidade da pessoa ou sérios indícios de que ela vai fugir. "Se não forem essas as causas, a prisão é ilegal, combatida por habeas corpus, que não é impetrado pela deficiência da Defensoria Pública do governo. Ou seja, o Estado quer soltar, mas não tem defensores suficientes para atuar nos processos." O juiz afirma que a 5ª Vara Criminal de Vitória, com 17.000 processos, não tem defensor, o que define como "um absurdo".

Lemos concorda em acabar com o regime aberto, porque o Estado não constrói unidade prisional para o recolhimento noturno. "Esse regime poderia ser substituído por prestação de serviços à comunidade", sugere.

foto: Editoria de Artes
População carcerária no Estado
Tráfico de drogas: o crime mais cometido
Tráfico de drogas e associação para o tráfico são os crimes que mais levam a prisões no Estado. Em abril deste ano, estavam presos sob essas acusações 281 pessoas. Mas desperta atenção, também, o número de presos por homicídio. Na Macrorregião Metropolitana, que envolve presídios das cidades de Aracruz, Serra, Guarapari, Cariacica, Vila Velha, Viana, Linhares e Marataízes, o número de assassinos presos chegou a 56. No Noroeste, onde estão os presídios de São Domingos do Norte, Barra de São Francisco e Colatina, o número de homicidas chegou a 23; no Norte (São Mateus), a 8; e no Sul (Cachoeiro de Itapemirim), a 4. Furto e roubo são os crimes que aparecem em terceira colocação entre os mais praticados, atingindo a soma de 220 casos nos municípios das quatro macrorregiões - a maior parte da Metropolitana, com um total de 100 roubos e 84 furtos.

Presídios custam por ano R$ 200 milhões ao Estado
O sistema prisional do Espírito Santo custa, anualmente, mais de R$ 200 milhões, se for levado em consideração um gasto por preso de R$ 1,5 mil mensais, estimado pela Secretaria de Estado da Justiça. A última estatística, de maio deste ano, revela a existência de 12.448 detentos em 35 presídios do Estado.

Desde 2004, o governo estadual já investiu R$ 453,7 milhões na construção de novos presídios. Naquela época, eram 13 unidades e 2.900 vagas.

Construções
Até agora, com os 22 novos presídios construídos no Espírito Santo, já foram abertas 9.800 vagas. E, até o final do governo Renato Casagrande, mais nove presídios serão construídos, segundo o secretário de Estado da Justiça, Ângelo Roncalli.

Atualmente, estão sendo construídas duas unidades prisionais: uma feminina, em Xuri, Vila Velha, na Região Metropolitana da Grande Vitória, e outra masculina, em Linhares, no Norte do Estado. Ambas têm conclusão prevista para este ano.

Os presídios e os centros de detenção provisória geridos pela Secretaria de Estado da Justiça mantêm hoje, em regime fechado, 5.435 detentos, e outros 1.789 estão no regime semiaberto. Há ainda 4.953 presos provisórios e 44 cumprindo medida de segurança.

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